SORORIDADE
Para começar de forma objetiva, sororidade é a aliança feminista entre mulheres. A palavra sororidade não existe na língua portuguesa, no entanto, uma palavra muito semelhante, fraternidade, pode ser encontrada em qualquer dicionário descrita como:
- Solidariedade de irmãos.
- Harmonia entre os homens.
Ambas as palavras vêm do latim, sendo sóror irmãs e frater irmãos. Mas, na nossa linguagem usual, ficamos apenas com a versão masculina do termo, afinal de contas, a sociedade patriarcal ensina-nos que relações harmoniosas só são possíveis de se concretizarem entre homens.
Sororidade é uma dimensão ética, política e prática do feminismo contemporâneo. É uma experiência subjetiva entre mulheres na busca por relações positivas e saudáveis, na construção de alianças existenciais e políticas com outras mulheres, para contribuir com a eliminação social de todas as formas de opressão e ao apoio mútuo para alcançar o empoderamento vital de cada mulher. A sororidade é a consciência crítica sobre a misoginia e é o esforço, tanto pessoal quanto coletivo, de destruir a mentalidade e a cultura misógina, enquanto transforma as relações de solidariedade entre as mulheres.
Como a misoginia é uma das faces do machismo, ao desmontá-la através da sororidade, afetamos a percepção do “homem” como centro do universo e da masculinidade, que devido ao empoderamento feminino, perdem seu valor.
O “homem” desaparece quando a visão de mundo deixa de ser antropocêntrica e cada mulher passa a ver o mundo a partir de si mesma e de seu gênero, e de maneira crítica, recusa a supremacia e a centralidade do homem como símbolo universal da humanidade.
A identificação entre mulheres como semelhantes aumenta conforme maiores são as coincidências de condições de idade, geração, sexualidade, classe social, etnia, formação cultural,
ideologia, atuação política, religiosidade, nacionalidade, etc. Semelhanças entre essas condições facilitam a identificação de forma positiva entre mulheres por pertencerem e por se identificarem com o gênero feminino. A sororidade possibilita criar mecanismos de defesa a agressões e a qualquer forma de violência, propaga o feminismo e combate o antifeminismo (forma fundamentalista da misoginia política), além de valorizar a sexualidade feminina que têm sido tão desvalorizada para eliminá-la como suporte político das mulheres.
O enfrentamento misógino entre mulheres constitui a inimizade patriarcal que atua, criando a rivalidade e impedindo que mulheres se identifiquem umas com as outras. Os mecanismos patriarcais fazem com que essas mulheres tenham a esperança de serem eleitas e assim conquistarem poder. Elas competem entre si com a falsa esperança de serem eleitas entre “as outras”, ocupar posições, formando muitas vezes alianças com os homens, fomentando uma escala hierárquica entre si. Cada mulher se compara competitivamente com a outra e se coloca como superior ou inferior em um eixo hierárquico de dominação e opressão, inferioridade e superioridade, mediado ainda pelas fobias classistas, racistas, sexistas e ainda lesbofóbicas e transfóbicas.
Dessa forma se reproduzem entre as mulheres, de maneira acrítica, formas autoritárias e repressivas. Entre elas está o controle do conhecimento, das maneiras de fazer, o uso indevido de prestígio, a fama, o monopólio de recursos e oportunidades, permitindo a algumas mulheres avançar de forma injusta sobre as outras.
É imprescindível ter a consciência de que as mulheres são utilizadas para reproduzir a opressão de gênero entre elas, aniquilando o valor individual e coletivo. A política patriarcal usa as próprias mulheres para prejudicar outras mulheres, prometendo-lhes a aceitação, a valorização e a ascensão. Para combater a crueldade e o equívoco da inimizade, o feminismo precisa fortalecer e promover a sororidade, eliminar a misoginia pessoal e coletiva, não reproduzir formas de opressão entre mulheres como a discriminação, a violência e a exploração.
As redes genealógicas de apoio entre mulheres têm se consolidado principalmente entre parentes, companheiras e amigas. Remontam-se a várias gerações de parentesco entre mulheres e também de movimentos feministas do passado. As mulheres não teriam sobrevivido em condições tão opressivas se não tivessem contado com esses apoios vitais. O que seria de nós mulheres sem nossas mães, filhas, avós? O que seria de nós sem nossas companheiras e amigas? O que seria de nós sem nossas ancestrais?
A sororidade é um princípio de relação entre todas as mulheres e um recurso para enfrentar os conflitos que podem surgir entre elas, eliminando a misoginia. Ela possibilita estabelecer vínculos entre civis e governantes, militantes de partidos, sindicatos, mulheres cis e mulheres trans, indígenas e mulheres de outras culturas, jovens e idosas, assim como camponesas, operárias, urbanas, heterossexuais e lésbicas, intelectuais e mulheres com baixa escolaridade, entre dirigentes e mulheres “de base”, teóricas e ativistas. Ao não tratar as diferenças de forma preconceituosa, convertendo-as em rejeição e obstáculo, é possível que surjam semelhanças identitárias e empatia entre as mulheres. Reconhecendo sempre que as mulheres semelhantes também são diferentes e que a diferença é um capital e um poder. É preciso superar a exigência de sermos idênticas.
A sororidade busca e, ao mesmo tempo já é, a concretude de formas de empoderamento das mulheres. Plantar relações de sororidade significa a vontade de apoiar para empoderar. Por isso, a sororidade pode dar-se entre desconhecidas, parentes, colegas, companheiras e amigas. Não é preciso ser amiga para vincular-se de forma solidária. Mesmo entre aquelas mulheres que têm conflitos pode-se viver em sororidade. Sendo assim, nenhuma tratará de excluir, destruir ou causar dano a outra.
O sentido da sororidade é propiciar melhores condições de vida para as mulheres e derrubar muros patriarcais. A prática feminista da sororidade permite às mulheres serem coerentes e potencializa a cultura feminista.
Texto adaptado por Maiara Moreira e Marcela Lagarde.
Sororidad. In: GAMBA, Susana Beatriz. Diccionario de estúdios de género y feminismos. Buenos Aires: 2009.
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