Leila Diniz
E AGORA, A ENTREVISTA COMPLETA DE LEILA, PARA O PASQUIM. OS ASTERISCOS, NATURALMENTE, SINALIZAM OS PALAVRÕES.
N° 22 - NOVEMBRO 1969 - Entrevista - LEILA DINIZ
Leila Diniz é chapinha d'O PASQUIM e sua entrevista é mais do que na base do muito à vontade. Durante duas horas ela bebeu e conversou com a equipe de entrevistadores numa linguagem livre e, portanto, saudável. Seu depoimento é o de uma moça de 24 anos que sabe o que quer e que conquistou a independência na hora em que decidiu fazer isto. Leila é a imagem da alegria e da liberdade, coisa que só é possível quando o falso moralismo é posto de lado.
SÉRGIO CABRAL- Qual é o autor com quem você gosta de trabalhar?
LEILA- Paulo José. Essa é mole de responder.
TARSO DE CASTRO -Seu primeiro filme foi o do Domingos não foi?
LEILA- Todo mundo pensa que, de repente, o Domingos botou essa mulherzinha lá pra trabalhar e foi a glória da vida. E realmente o Domingos foi a glória da vida, foi porreta paca fazer o filme. Mas antes eu fiz dois filmes: aquele alucinante "O Mundo Alegre de Helô" e um da Sílvia Pinai, do Alcoriza. Um que eu fazia a empregadinha. Como é que chama? Do Luiz Alcoriza, aquele cara que foi assistentedo Bunuel. O filme era uma (*) incrível. O nome era "Jogo Perigoso". Tinha dois episódios e eu fazia um deles. Quando Domingos resolveu fazer "Todas as Mulheres do Mundo", eu já estava existindo mais como atriz.
TARSO- Mas você passou muito tempo sendo a mulherzinha do Domingos, professorinha, etc.
LEILA - Não foi muito tempo, não. Eu comecei com o Domingos lá por 62, fins de 61. Me lembrar de data é (*) pra mim. Eu era professora mas zoneava bastante por aí. Eu conheci o Domingos porque namorava um rapaz de teatro, o Luis Eduardo. Naquela época , ele estava fazendo a peça do Domingos, "Somos Todos do Jardim de Infância". Eu estava voltando ao namorinho com o Luis Eduardo mas conheci o Domingos e dei aquela decisão. Durante a peça, eu já estava na do Domingos, não é? Daí a gente juntou, teve aquela zorra toda... Porque eu sou solteira, não é? Sou casada (*). Eu fiquei com o Domingos sendo professora, e ainda estudando porque estava fazendo o clássico à noite. Eu ensinava de dia. Fiquei com o Domingos uns três anos, durante um ano e meio eu ainda era professora, depois já era atriz. Como a gente era muito duro, o Domingos escrevia para a "Manchete", jornal, (*) a quatro, escrevia peças e aquelas coisas, a gente não ganhava dinheiro nenhum e eu ganhava pouco também como professora, então eu fui fazer anúncio. Trabalhei numa agência de modelo e fiz figuração de filme pra (*), aqueles filmes americanos todos alucinantes. Fiz anúncio de Coca-Cola, andei de Volkswagen, usei desodorante Van Ess na (*), todas aquelas coisas alucinantes. Ganhava um dinheiro por fora. Não foi através do Domingos. Entrei fazendo ponta em Grande Teatro Tupi, Teatrinho Trol etc. Puxa! Teatrinho Trol naquela época! Eu acho que estou ficando velha. Bem, aí fiz "Todas as Mulheres do Mundo"; quando a gente fez o filme, já estava separado.
TARSO -Você prefere fazer cinema ou novela de televisão? Porque cinema é meio chato, demorado.
LEILA- Que é isso? Você está falando isso pra me provocar ou acha mesmo? Cinema é a glória. Olha, Tarso, às vezes, as pessoas gostam de dizer: isso não tem sentido. Eu acho que eu é que não tenho sentido. Eu gosto pra (*) de fazer novela e de fazer cinema. Pra mim, não tem a menor importância representar Shakespeare, Glória Magadan ou o que for, desde que me divirta e ganhe dinheiro com isso.
JAGUAR -Você acha que teatro é um saco?
LEILA -Acho que teatro é um saco. Mas não posso dizer isso porque nunca fiz um troco porreta em teatro. Só fiz papelzinho, papel pequeno. Eu comecei em teatro. Eu comecei com a Cacilda. Ela veio ao Rio fazer "O Preço de um Homem", o Vaneau fez teste e eu fiz. Foi em 64. Eu vou fazer 5 anos de atriz.
JAGUAR- Com quantos anos você está?
LEILA - Vinte e quatro. Bem: eu entrei com a Cacilda. Quando entrei, eu não manjava muito da coisa. Entrei porque não tinha ninguém mais. Era muito fácil fazer teste: não tinha ninguém mais concorrendo e eu passei. Entrei lá muito de alegre, chorava pra (*) em cada ensaio: "Não sei fazer isso, é (*)", etc. Entrava em cena, morrendo de pavor, mas acho teatro chato: aquela coisa de fazer toda noite a mesma coisa. O que acho bacana em cinema e televisão é isso: eu me divirto muito, trabalhando. Geralmente, faço uma zona incrível onde eu trabalho e trabalho sempre com gente que eu gosto. O meu critério de escolha é esse: eu não escolho por peça, autor, diretor ou papel. Escolho pela patota e pelo que eu gosto. Por exemplo: fiz um filme de cangaceiro agora e muita gente disse: que é isso, Leila, filme de cangaço, troço cafona, você é louca. Pois foi a glória da vida. Eu tinha o maior (*) de fazer filme de cangaço. Achei sensacional. Trabalhar com Domingos, por exemplo, é divertidérrimo. "Todas as Mulheres" foi muito duro. A gente estava separado só há um ano, ainda estava naquela fase de se xingar: filho da (*), seu cornudo, foi você que foi culpado, não foi, foi você, aquela zorra.
JAGUAR- Dizem que ele fez o filme com o objetivo de apanhar você de novo.
LEILA- Não foi não. Não acredito. Foi uma coisa que o Domingos precisava botar pra fora. Realmente ele gostava de mim ainda, estava me querendo ainda – mas eu sabia que era melhor a gente ficar separado porque se a gente ficasse separado, a gente estava salvando um amor. Isso pode ser bonito demais mas é verdade. Tanto é que salvou: a gente ainda se ama, mas se estivesse junto, estava dando porrada um no outro, estava se odiando.
SERGIO - No filme, você também é uma professorinha. Além disso, foi criado algum outro elemento biográfico no filme? LEILA Mil coisas. Domingos usou troço paca. Coisas da vida da gente, fases da gente. No fundo, eu acho que foi por isso que o filme teve sucesso. Tudo que é muito fundo da gente, muito verdade da gente, funciona e passa, seja (*) ou não. Não tem nada a ver com isso, mas agora eu me lembrei do Zé Mauro Vasconcelos. Está vendendo paca e eu resolvi comprar aquele Frei Abóbora da vida e ler. O negócio tá sendo aceito paca, você tem de saber por que. No início, achei chato, aquele negócio de Deus. Misticismo é um negócio que me cansa, acho porreta prós outros, mas não consigo entrar nessa. Mas depois eu vi que tem um negócio tão forte dentro do cara que deve ser verdade pra ele - e por isso passa pras pessoas. "Todas as Mulheres do Mundo" tem isso: é um filme ingênuo, uma história de amor que inclusive acaba bem, mas que tem muita verdade, de coração, de útero, do estômago, etc. E saiu. A gente se deu porrada paca pra fazer.
SÉRGIO -Aquela festinha de aniversário no final, era o ideal da vida de vocês, do Domingos e sua?
LEILA- Seria, se a gente continuasse casado, tudo bacana. Meu, não foi tanto é que eu me mandei e não fiquei casada com ele. Se fosse eu estava lá e tinha sete filhos. Não tenho nenhum. Mas tem muitas coisas: aquela festa de Natal, por exemplo. Eu nunca tinha ido à festa de Natal; detesto. Eu não conhecia Domingos, conhecia só de Teatro Jovem, aquela badalaçãozinha. Eu soube que tinha um cara dando uma festa de Natal prós amigos, sem mãe, nem avô, nem tia chorando e resolvi ver. Cheguei às oito horas da noite e perguntei: É aqui que tem uma festa de Natal? Nunca tinha visto o cara, não é? Ele estava evidentemente sozinho que festa de Natal não começa às oito da noite, ele disse: tem mas não é agora, é depois, todo mundo vai à ceia com os pais depois vem pra cá. Eu disse: ah bom, se é assim vou ficar aqui e esperar. Ele disse: tá legal, eu vou sair, depois volto. Aí ele saiu, foi pra casa da mãe dele e eu fiquei, embrulhando os presentes dos amigos dele. Mais tarde, começou a festa e nós nem nos vimos. Ele galinhou com o mundo, eu galinhei com o mundo, não teve nada. A gente simples mente se encontrou. Às seis da manhã, eu estava inteiramente de porre dormindo numa poltrona, ele estava inteiramente de porre dormindo no chão. Como estávamos dormindo os dois, resolvemos dormir juntos.
JAGUAR - Como diz a Zsu-Zsu Vieira, aconteceu o inevitável.
LEILA- É: o inevitável. Passamos o dia de Natal (*). Então, ele botou a festa de Natal no filme, mas de outra forma, mais bonitinha talvez - sei lá.
SÉRGIO- E você casou de novo, depois, com alguém?
JAGUAR- Quantos casos você já teve, depois da separação?
LEILA- Casos mil; casadinha nenhuma. Na minha caminha, dorme algumas noites, mais nada. Nada de estabilidade.
TARSO - O que você acha do Domingos como diretor?
LEILA- Acho excelente. Principalmente como diretor de ator.
TARSO- Ele não é meio água-com-açúcar?
LEILA- Não, pó! Eu conheço o Domingos tanto. O que as pessoas não vêem nele, eu vejo. É difícil você falar de uma pessoa com quem você viveu. Você vê mil trecos que os outros não vêem. Agora: eu acho que o Domingos ainda tem muita coisa que ele precisa botar pra fora. E está, no filmes dele, entende? Daqui a uns tempos, ele vai estar do rabo, vai ter botado pra fora uma porção de coisas.
JAGUAR- Você já viu o último filme dele?
LEILA- Ainda não. Vou ver esses dias. Diz que é muito triste. Agora, como diretor de ator, o Domingos é excelente. Não tem melhor. Eu não conheço. Domingos dirige ator sensacionalmente, porque ele é muito humano, muito gente, então ele pega no que você tem pra dar, usa aquele negócio, te ajuda... É do rabo. Você viu o Hamilton em "Edu Coração de Ouro"? Eu disse: Domingos, o Hamilton é um cara que tem troço paca pra dar. Ele disse: deixa eu ver, tem esse papel que ele pode fazer. Usou o Hamilton como ator e ele está bem pra (*) no filme, não está?
JAGUAR- Ele queria que eu fizesse papel de padre.
LEILA- E deve estar certo.
JAGUAR- Vamos a uma comparação: você diria que o Domingos é o José Mauro Vasconcelos do cinema brasileiro?
LEILA- Vai a (*) que te (*). Não tem nada a ver. O Domingos é mais bacana.
JAGUAR- O que você achou de trabalhar com o Nelson Pereira dos Santos?
LEILA- Nelson é a doçura da minha vida, amor, carinho, tudo o mais.
JAGUAR- Em relação ao aspecto de direção de atores que você falou do Domingos.
LEILA- Acontece que eu não vejo só isso pra trabalhar com um cara. O Nelson como diretor de ator é fogo. Quando eu fui fazer "Fome de Amor", eu fui muito prejudicada na primeira metade do filme. Eu estava esperando ser dirigida como eu estava acostumada e o Nelson não é de dirigir ator. Ele te usa mesmo. Depois que a gente entra na dele, aí a gente fica sabendo o que fazer. A gente diz: estamos aí, você abre o coração, as pernas, os braços e vai. Acho que assim é que tem de ser. Acho que o Nelson é o diretor de cinema mais lúcido, mais maduro e mais inteligente do Brasil. Porque tem uma (*) experiência, é muito inteligente, sabe das coisas paca e não envelheceu. Você vê: vários diretores da época dele envelheceram. Nelson, não: ele se renova, é uma pessoa muito aberta. Trabalhar com ele é muito difícil, muito perigoso. Ele põe você comendo grama e você inventa em cima disso e aí ele usa ou não. Eu acho que em "Fome de Amor", eu fiz um dos meus melhores papéis.
JAGUAR- Eu também acho.
LEILA- Bacana que você ache. Bacana porque as pessoas não acharam tanto, não. Foi muito difícil entrar na do Nelson. Ele queria de mim justamente a minha abertura, a minha agressão, a minha alegria, a minha energia. No momento que te pedem isso na cara, você "zauze", o que é que esse cara está querendo, qual é a dele? Eu nem conheci ele. Mas, depois, eu entrei na dele, do meio do filme pra lá.
TARSO- Foi na época que você namorou o Arduíno?
LEILA- O meu treco com o Arduíno foi agora, em Parati. Mas eu não estava namorando ele, não. Estava namorando o assistente de câmera.
JAGUAR- Qual dos seus papéis que você gosta mais?
LEILA- Sei lá. Acho que é de "Todas as Mulheres do Mundo", porque é um treco tão ligado a mim, que eu vejo com tanta ternura, tanto carinho. Eu sou muito (*) nessas coisas. Eu li o Frei Abóbora, picham muito mas eu chorei paca. Eu sou capaz de assistir novela e chorar. Eu choro em "Funny Girl", eu choro paca. Então, "Todas as Mulheres do Mundo" tem tanta ligação comigo, tanta ternura, que é o papel que eu gosto mais.
SÉRGIO- Você sabe que convidaram a Shirley MacLaine pra ir num enterro e ela disse que não ia porque chora até em exposição de automóvel.
TARSO- Você disse que achava teatro chato. Eu também acho. Você ainda vai a teatro?
LEILA- Eu vou muito pouco. Geralmente eu durmo. Eu fui assistir a "Oh Que Delícia de Guerra" com a Marieta e ela me cutucava o tempo inteiro porque eu dormia e as pessoas faziam um (*) barulho em cena, não é? Eu dormia alucinantemente. Quando eu estou representando em teatro, tenho vontade de parar e fazer careta pra plateia e dizer: o que é que vocês estão aí me olhando, o que é isso?
JAGUAR- Mas você não está entusiasmada com esse "show" que você vai fazer no Poeira?
LEILA- Eu estava dizendo que sou uma pessoa sem sentido porque meu sentido é esse: eu gosto de me divertir, pó. Esse "show", "Tem Banana na Banda", vai ser divertidérrimo. Eu, Maria Gladys e Aninha pode ter coisa mais engraçada? Millôr, Maciel, uma patota que a gente adora escrevendo. Eu vou me vestir de baiana, eu vou morrer de me divertir e isso vai me dar alguma coisa como atriz também.
JAGUAR- Vai ter "striptease"?
LEILA- Não sei. Se tiver eu também faço, pó. Vai ser uma zona total. É como o negócio de fazer o filme em Parati. A gente foi fazer esse filme em Parati e eu nem sei quanto eu vou ganhar. Ainda nem fiz o contrato. O filme já acabou e nós vamos dublar agora. Mas a gente estava em Parati. Era Nelson dirigindo. Arduíno, Bigode, Aninha, Isabel, cachaça, peixe, aquela zona; andar descalça, não pentear o cabelo, fazer cena do jeito que a gente resolve... Meu papel não existia, não é? Nelson inventou; ele inventa sempre um papel pra mim. Ele diz que agora eu vou estar sempre nos filmes dele porque ele gosta muito do meu estouro.
TARSO- Você gosta de mulher?
LEILA- Gostei de mim, quando fui tomar banho pelada de noite e tem aquela água que fica brilhando com a lua. Você quer morrer: fica com aquelas gotinhas prateadas no corpo; divina e maravilhosa. Parati é alucinante. Ainda mais com aquela patota.
TARSO- Você já foi, com "Todas as Mulheres..." a atriz mais popular do cinema. E talvez ainda seja, hoje. Num país civilizado, você seria muito bem paga. E aqui? Você vive bem hoje?
LEILA- Realmente, aqui é fogo. A gente está num país tropical, azar o nosso. Esse negócio de atriz fazer sucesso não adianta. E eu sou muito (*). Eu não sei pedir, não sei ganhar dinheiro. Não nasci pra isso. Tem gente que nasce e sabe. Não sei fazer um contrato. Por exemplo: eu agora queria vir pró Rio. Nem sei quanto vou ganhar. O cara vai me oferecer menos que eu ganhava em São Paulo? (*): não sou bem paga, muito por minha culpa. Claro, é culpa da estrutura, etc. Mas minha também. lona, Regina Duarte, etc. ganham dinheiro. Eu não.
JAGUAR- Um agente não resolve esse problema, não?
LEILA- Deve resolver. Mas a gente enche.
TARSO- Quanto você está ganhando por mês, em média?
LEILA- Juntando televisão cinema e tudo, eu ganho uns dez milhões. Quando recebo.
TARSO- A televisão não paga em dia, não é?
LEILA- Antigamente, pagavam sempre. De uns três meses pra cá, eu ando muito (*) porque a Excelsior se (*) e eu junto. Nós fizemos mil reuniões em sindicato, íamos fazer uma greve e tudo. Mas desistimos de fazer porque se fizéssemos, a Televisão fecharia. Eu acho muito, muito chato porque televisão era o único meio da gente ganhar dinheiro. Em cinema é difícil porque quando a gente vai fazer cinema com gente que a gente gosta, são geralmente pessoas (*), Nelson, Domingos, etc. A gente sabe que essa patota não tem dinheiro. Por que é que eu vou cobrar? Não vou, claro. Quando eu faço um filme de alguém que tenha dinheiro, eu cobro mais. Televisão que era o nosso único meio agora está entrando pelo cano: tem muito poucas, a Globo, talvez a Tupi e um pouco a Record. Então, está (*). Pra entrar lá, você tem de (*) pra todo mundo. Ou então você tem de ser muito inteligente de arranjar um jeito, sei lá. Você vê atores geniais trabalhando por uma (*). Mas não ganho maravilhosamente bem quanto poderia.
SÉRGIO- A que você atribui isso?
LEILA- O mercado de trabalho é muito pequeno. Se você vai à TV Globo, eles dizem isso pra você: tem vinte atores pra fazer o teu papel. Se você não aceitar fazer por x, (*-se) porque sempre tem um que está morrendo de fome e vai aceitar. E aí tem de falar do Brasil, não é? E daí é (*), não pode, não é?
TARSO- Quer dizer que o pessoal de televisão tem exigências não profissionais? Ficam querendo faturar as moças, é isso?
LEILA- Não está tanto mais assim, não. Já esteve muito. A mim, nunca quiseram, porque eu mando logo tomar no (*). Quando eu quero, eu vou com o cara. Comigo, não tem esse negócio de ninguém querer, não. Quer dizer: pra mim, não tem. Talvez tenha pras mocinhas que estão começando. Eu não sei, não. Tem é muita zona em volta que não é negócio do (*), que talvez fosse até mais fácil, você chegava lá e pronto, afinal (*), não é tão ruim mesmo. O que tem é toda uma paparicação que é desagradável, entende? Você tem de jantar com fulano, conviver com sicrano, bater papo, tomar uisquinho, nhem, nhem e tal. Isso existe muito mais do que o dar. Está até fora de moda esse negócio de (*).
SÉRGIO- Você é uma mulher extraordinariamente bonita e faz papéis "sexy" no cinema. Em consequência, você recebe muitas cantadas aí pelas ruas, nos bares da vida, praias, etc.?
LEILA- Recebo muitas. Aliás, acho uma (*) fazer papel "sexy". O negócio não tem nada a ver com fazer boquinha, carinha, etc. O negócio é outro: um negócio de pele, olho, um negócio que eu não sei bem o que é, não. Mas recebo cantada, sim. É muito engraçado. Às vezes, enche. Em São Paulo, você recebe muito mais. Se eu quisesse fazer (*), eu estava rica. Em São Paulo, o que liga pro hotel é industrial, fazendeiro, etc. pra dizer: então vamos jantar e tal. A gente tem de dizer: companheiro, o caso não é esse, não é bem assim, etc. Eu fico danada. Um dia disse pra um cara: meu amigo, se você por acaso me encontrasse, fosse ao cinema, fosse jantar, etc. eu podia até dar pra você, mas assim não. O cara naquela de vamos e tal, aí já fica chato paca, não é? O cara está querendo pagar fica uma (*), deve ser um (*) de cama.
TARSO- E o chamado fã? Incomoda muito?
LEILA- Não. Acho que ator que diz isso está mentindo. A gente acha muito bacana ser reconhecida na rua, que digam: olha, assisti ao seu filme, vejo a sua novela. Só tem um lugar que me incomoda: é na praia. Eu gosto de ficar na praia à vontade, quero ficar muito livre, deitadinha, tomando sol, caio n'água, cai biquini e tal, e aí é muito chato quando vem aquele fãzinho esperando uma imagem sua e vê aquela zona toda. Mas fora disso, me entendo muito bem com os fãs, não tem problema, não. Mas eu tenho muito fã criança e eu sou vidrada em criança.
JAGUAR- E cartas de amor, propostas de casamento, etc.?
LEILA -Tem algumas alucinantes. Tem um rapaz que me escreveu dizendo que ia se suicidar se eu não respondesse pra ele.
SÉRGIO- Você respondeu?
LEILA - Respondi, claro. Ele é filho de um general. Eu li: ele dizia que era filho do general fulano de tal, estudava pra detetive. Aí eu falei: malandro, se eu não respondo, o cara se mata e eu pego a carga, sei lá. Respondi dizendo que ele era um bobo não tinha nada de fazer isso, estava ficando louco, ele que assistisse às minhas novelas. (*)(*) que quisesse, eu não tinha nada a ver com isso.
SÉRGIO- Mas os fãs não lhe cantam?
LEILA- Fazem um certo charme. Dizem que vêem meus filmes, lêem minhas entrevistas. E como todas as minhas entrevistas dizem "Leila, a mulher livre", "Leila, a mulher que faz o amor", "Leila que é independente", etc., todo mundo fica achando que eu sou aquela (*) da zona, não é? E realmente os moçoilos ficam um pouco interessados. Mas aí eu dou aquela de: não é nada disso, rapaz, que é isso, estamos aí, mas não é bem assim. Eu tiro de letra. Eu me entendo com todo mundo, com toda a patota. Só que, evidentemente, você escolhe para conviver com as pessoas com que você tem diálogo.
TARSO - Houve algum caso de um fã que tivesse se aproximado e que a coisa tenha colado?
LEILA- Deixa eu lembrar.
JAGUAR- Não vale nenhum dos presentes.
LEILA- Por incrível que pareça, com os presentes, nunca tive o prazer. Mas estamos aí. Agora, com fã, acho que nunca aconteceu, não. Ou, se aconteceu, foi tão (*) que eu nem me lembro. Geralmente, eles tão noutra, tão atrás, tão atrás de sua imagem e você não vai entrar numa dessas. Imagem é fogo, chega lá e não é nada daquilo, não é? Não vou nessa.
JAGUAR- Um aviso aos navegantes: quem escolhe é você, não é?
LEILA- Sei lá. Acho que a gente escolhe. Acho que sou eu que (*), sim. Acho que eu sou um ponto fixo dentro de mim e um círculo ao redor. Esse ponto fixo é muito sério e as pessoas não manjam muito. Tem um negócio dentro de mim que é muito importante: a minha força, a minha verdade, a minha autopreservação...
PAULO GARCEZ- Qual foi o homem que já atingiu esse ponto fixo?
LEILA- Muitos. Felizmente, eu já amei muito e espero amar mais ainda.
SÉRGIO- Uma pergunta piegas: você foi professorinha e...
LEILA- Professorinha uma ("). Fui professora.
SÉRGIO- Está bem. Você tem saudade daquele tempo? Gostaria de apagar tudo e voltar a ser professora?
LEILA- Não gostaria de apagar nada da minha vida.
SÉRGIO- Criança é chata, então?
LEILA- Nada chato, não. Eu amo crianças. Há muito folclore ao redor disso, mas eu gosto muito de criança. Mas eu gostei de ser atriz e seria muito difícil voltar a ser professora. Eu deixei de ser professora por covardia porque eu tinha de brigar muito com os pais, e com os diretores do colégio. Porque eu não estava em Summerhill, não, mas em minha sala, cada um fazia o que queria. Eu me lembro que, em uma ocasião, teve um aluno meu - eu ensinava no maternal, ensinei maternal, jardim de infância e primeiro ano, bem esse aluno chegou pra mim e... Bem, eu tenho uma relação com criança muito boa, consigo chegar e dialogar com elas. Na minha sala, eu aboli a mesa da professora, não existia, minha mesa era igual à deles, minhas coisas eram guardadas como as deles, eu mexia nas coisas deles tanto quanto eles mexiam nas minhas, não tinha problema. A gente trocava lanche, eu levava coca-cola e eles gostavam mais do que leite e a gente trocava, eu fazia a maior zona. As mães, porém, não gostavam. Bem, aquele aluno meu estava cheio comigo, não sei por que, virou pra mim e disse: sua (*)! Foi aquele silêncio, todo mundo ficou me olhando pra ver o que a professora ia responder. Eu fiquei com vontade de rir e ri. Aí eu disse: (*) é você, está ouvindo seu coco. Foi aquela zona: porque, falando com criança, eu adapto meus palavrões prós deles. Palavrão de criança é (*) coco, xixi, titica, etc. Então foi uma semana na sala que só se falava de (*): sua (*) pra cá, seu (*) pra lá, (*) sem parar, coco pra lá, xixi pra cá... A diretora entrava na sala e ficava horrorizada. Mas depois de uma semana, todo mundo deixou de falar (*) porque a (*) deixou de ser excepcional, ficou inteiramente desmoralizada. O que, aliás, é uma pena. Mas eu adoro crianças. Gostaria de ter uns vinte filhos pra fazer minha escolinha em casa.
TARSO- A censura resolveu, agora, implicar com as novelas. Mas há coisa muito pior na televisão: o calhorda do Raul Longras, o imbecil do J. Silvestre, o cachorro do Silvio Santos; o Flávio Cavalcanti, que é um mau-caráter, patife. E eles não proíbem nada disso. Por que só as novelas?
LEILA- É tudo muito burro, aqui. Quando você explora a miséria verdadeira, ninguém acha nada demais, como o Raul Longras, esses caras todos. Negócio bonitinho de censurar é novela, quando tem uma cena de amor, uma moça que foge de casa como uma que eu fiz agora, em que eu fugia de casa porque queria viver com o Zózimo Bobul, e a novela foi censurada. Tem mil babados assim, acho a maior cretinice. Não consigo explicar. Não consigo entender qual é a deles. Censuram filmes e não censuram programas em que as pessoas, pra casar, são vendidas como alface, ou são esculhambadas como se fossem coco, como acontece nos programas do Flávio Cavalcanti. Aí, digo que é burrice minha porque não quero achar que as pessoas sejam tão (*) assim.
TARSO- Você admite censura a uma obra de arte?
LEILA- Pó, Tarso: de jeito nenhum. Foi o que perguntei aos censores: que tipo de preparo tem uma pessoa que vai julgar e censurar uma obra de arte? Eu não teria coragem de ser censor. Se eu fosse julgar uma obra de arte, eu teria de ser uma pessoa inteligentérrima, cultérrima, muito humana e muito por dentro das coisas. Censura é ridículo, não tem sentido nenhum. Do jeito que é feita, inclusive não tem nenhuma noção de justiça, cultura, nem nada. Foi julgada e censurada uma peça de Sófocles, lá no Teatro do Rio, não foi? É um absurdo. Procuraram até o Sófocles. Aí é fogo. Acaba qualquer papo.
SÉRGIO- Na sua novela, a personagem foge com o Zózimo Bobul. Na Europa, isso é moda há muito tempo. Eu pergunto: há alguma diferença sexual do negro pró branco?
LEILA- Eu só tive um homem negro. E não vou comparar meus homens porque é sacanagem. Dizem que os negros têm mais potencialidade, etc. Eu acho que é a mesma coisa. Depende do cara. Nesse negocio não tem nada a ver. Tem uns que são bons de cama, chega lá e não combina. Esse negócio depende muito. O negócio é aquela ligação, está na pele.
JAGUAR- O Anselmo Duarte disse que...
LEILA- Ah, deixa eu falar do Anselmo porque ele disse um negócio muito lindo pra mim. Fiquei até com pena de não ter tido nada com ele lá em Congonhas. Ele disse que eu me dedicava aos homens. Ele é muito bacana e deve gostar muito de mim pra dizer um negócio desses. Eu não sabia que ele gostava tanto de mim.
TARSO- Vocês não tiveram nem um casinho, não?
LEILA- Não, nada disso. Morremos de rir, nos divertimos muito, mas não tivemos nada. É difícil a gente se divertir sem ter nada, mas a gente consegue. E nós estávamos em Congonhas do Campo, hein. Mas eu estava namorando o Toquinho que ia me visitar de vez em quando, então eu tinha um treco certo, não é? E tinha os "profetas" lá, qualquer coisa quebrava o galho. Saí de lá que não aguentava mais olhar pró Daniel.
JAGUAR- É bacana, não é?
LEILA- É bacana porque você não passou dois meses lá, malandro. Eu abria a janela e dava de cara com os doze profetas. Eu (*) pra arte, ele estava gozando paca. Ele tem lojinha de pedra-sabão e sonhei a noite toda com corrente, coruja, profeta de pedra-sabão, tudo de pedra-sabão. Eu não aguento mais ver. Mas o Anselmo foi muito bacaninha: acontece que eu seria a maior mulher do mundo se eu me dedicasse aos homens, eu? Eu ainda não consegui isso, não; estou lutando pra isso. Talvez aos trinta anos assim...
JAGUAR- O PASQUIM vai aderir à sua luta.
SÉRGIO- O que você achou da entrevista que ele deu à gente?
LEILA- O Anselmo é uma pessoa terrível. Tem uma inteligência meio primitiva. Mas é muito inteligente. E é muito gozador também. Quem manja o Anselmo, sabe naquelas respostas, ele estava gozando paca. Ele tem histórias incríveis pra contar porque ele é muito agressivo. Tem, por exemplo, a história da namorada que ele tirou a dentadura. É um troço alucinante. Agora, é uma pessoa maravilhosa como todo cafajeste. Todo cara que é cafajeste no fundo, é um bobo. Ele é terrivelmente (*), humano, bom paca, só faltava me pegar no colo, como o Jece Valadão e todos os cafajestes que já conheci na minha vida. São uns anjos de pessoas.
TARSO- Você acha o Jece Valadão suportável?
LEILA- Eu adoro o Jece. Primeiro porque foi um cara que me pagou em dia. Fiz "Mineirinho, Vivo ou Morto" com ele. Ele chora paca, regateia paca. Mas se combinou aquilo contigo, ele te paga em dia, tranquilo, te busca em casa, te leva em casa, etc. Ele é muito porreta pra trabalhar, um amor de pessoa. Ele está lá na dele: quer ganhar dinheiro, faz o cinema que ele sabe que vende. Não vejo os filmes dele, não, mas adoro ele.
SÉRGI- O Qual a sua opinião sobre o INC?
LEILA É (*) você falar de um negócio que você está por fora. Eu não gosto. O Domingos está muito mais por dentro. Ah, que vontade de ter um namoradinho nessas horas: ajuda, não é? O negócio é que Você luta ou trabalha. Como não tem ninguém pagando você pra lutar, você tem que trabalhar. Fazer as duas ao mesmo tempo, não dá. Se você não luta, vira marginal.Eu resolvi ganhar meu dinheirinho. Ter meu apartamento. Pagar minhas contas. Eu trabalho. E gosto. Do que eu si o INC é muito sacana. Eu vi muita gente tomar atitude bacana, muita luta no Cinema Novo, que o INC não apoiou. O INC tem preconceito contra o Cinema Novo. A gente faz é cinema. E o INC não faz nada pelo cinema brasileiro que é a função dele. Só faz um festival (*) que eu acho uma ("").
TARSO- O INC é dirigido pelo Harry Stone: só beneficia o cinema estrangeiro.
LEILA- A gente está lutando por essa lei pra aumentar as semanas de filme nacional e os caras (* ) e andam, nem querem saber. Só isso já dá pra eu saber que os caras não estão interessados em que nosso cinema se desenvolva. Eles só estão a fim de que sejam vendidos, vistos e gostados os filmes estrangeiros. Logo eles são uns filhos da (*).
SÉRGIO- E o que você acha dos críticos de cinema? O INC é dirigido por críticos: Moniz Vianna, Salvyano, etc.
LEILA- Eu não leio críticas. Eles vão ficar (*) comigo mas não leio. Eu quase não leio jornal. Leio O PASQUIM.
SÉRGIO- Nem as Cotações JB?
LEILA- Não leio nada. Eu leio O PASQUIM porque é divertido, inteligente e são vocês que fazem que são meus amigos e contam coisas que me interessam. O resto, nem quero saber. Quanto às críticas dos filmes, palavra de honra, não é rancor, mas não gosto. Inclusive, parece que os críticos sempre livram minha cara. Eu faço o maior filme (*) e dizem que eles livram a minha cara. Muito obrigada. Eu sou boa mesmo, não é? O crítico que for meu amigo vem bater papo comigo. O que me interessa é o que eu acho, o que o Domingos achar, o que o Nelson, vocês, os meus amigos vão achar. E o público, porque vai ver. O resto, (*). Acho o crítico (*) porque é pessoal e só admito você ser pessoal pra amar. Qualquer coisa que o Jaguar faça, por exemplo, pode ser a maior (*) mas vou achar bom sempre. Porque eu gosto dele.
JAGUAR- Obrigado. Você quer falar de sua carreira de atriz?
LEILA- A gente é atriz porque cisma que é atriz. Vai entrando na coisa, vai entrando e vira atriz. Agora: quando chega na hora de fazer o papel, você olha e diz: opa, não sei fazer isso, não. Mas está lá na carteira, eu sou atriz, decidi isso e agora tenho de fazer. O único treco de ser ator pra mim é isso. Eu não tenho escola porque não existe escola aqui e eu não gosto de escola, eu gosto é de trabalhar, me divertir e conviver com as pessoas que eu amo. O negócio bacana é que cada papel que você pega, você olha e diz: e agora, não sei fazer isso. Mas, malandro, você não está aí ganhando pra fazer isso? Acontece isso em novela, por isso eu digo que novela também é bom. Nessa novela, eu tinha de me vestir de homenzinho, a menina se fantasia de homem pra seguir o cara que ela gosta. É um negócio que eu nunca fiz. Pode ser ruim, novela, etc. Mas é meu.
SÉRGIO- A Raquel Welch está fazendo um filme com um papel assim.
LEILA- Espero que ela se saia bem. Eu consegui. A gente sempre tem de se livrar de muita inibição que tem dentro da gente. Apesar de eu já estar muito desinibida, o ator sempre tem suas inibições. Aí, o ator pode empestar um tipo e ir em frente. Mas, para mim, o importante é me livrar das coisas, como se tirasse o (*) cada vez. Eu falei pró Gracindo nessa novela, ih, ES tou com medo. Ele disse: por quê? Você vai tirar isso de letra. A primeira cena foi difícil, mas a segunda já foi melhor. Aí, você vai em frente. É bom paca. Não tanto quanto (*), é claro, mas é quase igual.
JAGUAR- Quando eu conheci você, Leila, você não dizia palavrão.
LEILA- Sempre disse palavrão, Jaguar, você está enganado. Dizia menos. Com o tempo, fui ficando mais desinibida e mais segura.
JAGUAR- Foi seu psicanalista que mandou você dizer palavrão?
LEILA- Não. Faz muito tempo que eu não faço análise. Eu me desinibi dançando, dançava paca, você sabe disso; no mar, na praia, etc. tinha atitudes físicas pra me desinibir, eu (*), nadava e dançava. Fiquei mais segura e me expresso, agora, como eu tenho mais vontade. Eu acho o palavrão gostoso e é uma coisa normal pra mim. Quando ouvi um pedaço dessa gravação fiquei até um pouco chocada, mas quando eu falo eu não sinto que estou dizendo palavrão. É gozado: meu pai, por exemplo, não fala palavrão. Lá em casa não se dizia nem coco: a gente falava tezes. Tinha de ser tudo naquela base, que são palavras muito mais feias do que os palavrões. Mas o palavrão virou verdade em mim e quando as coisas são verdade, as pessoas aceitam. Então meu pai aceita, embora ele não fale nem coco. Morre de rir, bate papo comigo e tal. De vez em quando ele diz: não dá pra você falar de outro jeito? Aí eu digo: ah, (*) pra isso.
JAGUAR -São boas suas relações com seus pais?
LEILA- Maravilhosas.
LUIZ CARLOS MACIEL Mas foi a psicanálise que desinibiu ou não?
LEILA- Não. Como eu disse, eu me desinibi fisicamente. Mas a psicanálise talvez tenha me dado mais segurança. Eu fiz análise uns três anos, mas há tempos atrás. Eu tinha dezesseis anos. Foi uma época genial: porque na adolescência, você ainda está muito em confusão. Eu não ficava lá fazendo tipo: ia lá, chorava, berrava, xingava, falava palavrão e tudo.
SÉRGIO- Você deixou de ser virgem quando?
LEILA- De quinze pra dezesseis anos. Agora, eu não gosto muito de falar de minha psicanálise. Quando eu vou ao ginecologista, eu não vou dizer no jornal. Se vou ao analista, cuidar da cuca, por que eu vou ter de dizer? Se eu precisar cuidar de uma coisa, vou ao ginecologista; se precisar cuidar da outra, vou ao analista. Espero que eles estejam sempre lá e eu tenha dinheiro pra pagar. Embora eu ache que até análise devia ser de graça e paga pelo governo. Pra mim, adiantou muito. Quando eu fui ao psicanalista, eu estava realmente batendo com a cabeça no poste. Na época eu ganhava cinco contos, e pagava três de análise. Depois, me aconteceu um negócio bacana. Eu já tinha parado de fazer análise e começado a trabalhar como atriz quando recebi um cartão de meu psicanalista. Foi um ano e meio depois que eu tinha deixado. O cartão dizia: "Leila, assisti ao teu filme. Continuo, como sempre, a acreditar em você como gente e, agora, como artista".
SÉRGIO- Você deu pró seu analista?
LEILA- Não. Ele era aquele kleiniano, freudiano, sei lá, que ficava sentado lá, te esculhambando paca.
TARSO- Mas você não se apaixonou pelo seu psicanalista?
LEILA- Não. Você sabe que não? Acho que esse negócio é folclore. Foi um troço muito bacana. Acho que a análise me fez muito bem, da mesma maneira que o ginecologista me fez bem quando eu precisei. Voltarei sempre que precisar. Acho que cada um deve fazer o que lhe faz bem. Se você fumar maconha e achar que isso lhe cura, acho ótimo. O importante é amar as pessoas e sentir uma certa felicidade, apesar da zona ao teu redor.
MACIEL- Você disse que deixou de ser virgem dos quinze prós dezesseis anos. Você acha que foi muito cedo ou muito tarde?
LEILA- Acho que foi na hora.
MACIEL- Como professora, isso é um conselho para as novas gerações?
LEILA- Pras novas e pras velhas.
SÉRGIO- Isso é um conselho seu e do Summerhill.
LEILA- Eu era muito summerhilliana, antes mesmo de conhecer o livro. Depois, fiz até umas críticas. Mas esse negócio de idade é bobagem. Você deixa de ser virgem quando está com vontade. Eu estava. Não deixei antes porque meu namoradinho não quis, ficou com medo.
TARSO- Quem era ele?
LEILA - O Luís Eduardo. Eu encho ele, hoje, por causa disso.
TARSO- Foi ele, então?
LEILA - Não. Mas, depois, nós fomos à forra. Na época, ele tinha treze anos e eu tinha quatorze.
GARCEZ- O homem, então, é muito mais cauteloso que a mulher.
LEILA - É sim. Eu lembro que a gente namorava na praia e eu estava vidrada nele. Mas ele tinha medo.
SÉRGIO- Quem foi o primeiro homem então?
LEILA- Não posso dizer, não. Ele é casado e pode dar problema. Não vou me meter na vida dos outros, não é?
SÉRGIO- Ele ficou sendo um homem importante na sua vida?
LEILA - Não. Foi só o primeiro. Ele mesmo me disse isso.
JAGUAR- Foi apenas um fato histórico.
LEILA- É. Eu sempre encontro com ele e nós brincamos muito sobre o fato. Olha, vocês não vão publicar essas coisas, não é?
TATO TABORDA - E tua desinibição, não inibiu ninguém até agora?
LEILA - Já inibiu muita gente. Mas só na primeira vez, não tem problema. Aconteceu isso mais depois que fiquei famosa. Vou com Leila Diniz -o cara pensa. Que é que tem? Leila Diniz não faz nada demais, só o que todo mundo faz. Mas isso é raro: eu tenho um relacionamento com as pessoas muito bom. A turma não tem reclamado.
JAGUAR - Você acredita em amor, que um homem e uma mulher devem se amar para ir pra cama, esse papo?
LEILA- Não. Inclusive, isso é um problema pra mim.
JAGUAR- Mas você já sentiu amor por um homem, pelo Domingos, ao menos.
LEILA- Não só pelo Domingos. O Domingos é o único conhecido e publicável. E eu espero amar ainda muitos homens na minha vida. Vou amar sempre.
JAGUAR- Mas amar e ir pra cama não é a mesma coisa.
LEILA - Não. Eu acho bacana ir pra cama. Eu gosto muito, desde que dê aquela coisa de olho e pele, que já falei. Agora, sobre o amor, eu não acredito nesse amor possessivo e acho chato. Você pode amar muito uma pessoa e ir pra cama com outra. Isso já aconteceu comigo.
SÉRGIO - Você é contra a fidelidade?
LEILA - Não. Quando o negócio está bacana, geralmente eu sou fiel. Quando eu estou com uma pessoa, eu fico muito ocupada com ela. E eu sou muito de me ocupar. Agora, a ideia do amor é geralmente tão possessiva que me irrita muito. Detesto aquele negócio do saber hora, o que fez, etc.
JAGUAR- E você já está imunizada contra isso?
LEILA - Qual nada! Quebro a cara toda hora. Mas eu só me arrependo das coisas que eu não fiz. Das coisas que fiz, não me arrependo nada. Só me arrependo do que deixei de fazer por preconceito, problema e neurose. Já amei gente, já corneei essa gente e elas já entenderam e não teve problema nenhum. Somos todos uma grande família.
JAGUAR- Você disse há pouco que, às vezes, é bom ter um maridinho do lado.
LEILA - Eu não sou uma pessoa vinda de Marte. Eu nasci em 1945 e fui criada por uma família burguesa, razoavelmente bacana, mas eu tenho todos esses problemas dentro de mim. Evidentemente, eu também procuro um pai, um pouco. Tanto eu quero isso, que eu sou sozinha. Mas, pra mim, são mais importantes as coisas que eu acredito. Por isso, eu abro mão dessa proteção pra continuar no meu caminho. Mas, às vezes, dentro da sociedade que a gente vive: mais do que isso, no treco em que a gente vive, é bacaninha você ter um homem do teu lado, nem um homem - viu? - um companheiro, um treco bacana. Alguém que diga: está pegando fogo? Então vamos apagar juntos. O maridinho que eu quis dizer é isso.
TARSO - Mas acontece que o indivíduo é fatalmente afetado por uma união. Você acha que é possível superar isso?
LEILA - Se eu tivesse conseguido isso, eu estaria casada. Se não estou casada, é porque não consegui isso. Eu acho que a gente tem de respeitar ao máximo o cara que a gente ama. Mas acontece que eu não estou inteiramente livre ainda: como eu disse, eu nasci em 45 e fui criada burguesamente. Então, tenho mil problemas burgueses também. E o cara sempre tem também. Por isso que a gente está aí nessa briga. No fundo, eu sou uma mulher meiga, adoro amar, não quero brigar nunca, e queria mesmo é fazer amor sem parar. Eu adoraria isso. Mas enquanto não posso, não vou me acomodar a uma série de coisas (*) que pra mim não significam nada.
MACIEL- Para uma pessoa manter uma vida sexual saudável, equilibrada, etc. deve dar quantas por semana?
LEILA - Ora, Maciel vai (*). Isso não tem medida. O cara pode dar uma e você passar até um ano. Acho difícil. Mas pode. Agora, acho bacana se pudesse ser todas as noites. Mas tudo depende de você estar ligada na do cara.
SÉRGIO - Já houve com você um caso como o do Anselmo, de 8 ou 12?
LEILA- Já.
GARCEZ- Você acha que o dito aumento do lesbianismo é devido à falta de virilidade do homem atual?
LEILA- Não. De jeito nenhum. Esse negócio de lesbianismo é uma coisa de carência afetiva. Todo mundo quer ser amado. Como homem e mulher foram criados com muitos problemas, que o que eles devem fazer seria feio ou pecado, etc., duas mulheres acabam querendo se apoiar uma na outra, querendo salvar uma a outra. Eu acho o lesbianismo triste por causa disso.
http://mulheresquehonramorole.blogspot.com.br/2012/06/leila-diniz.html