A SINGULARIDADE DE VENEZA
Por Claudia Liechavicius
Centro histórico de Veneza.
Veneza é realmente ímpar. Foi construída sobre uma série de ilhotas e bancos de areia nas águas do Adriático, nordeste da Itália. Por isso mesmo, está sujeita aos caprichos da maré. Sofre com enchentes. E nem se abala. Contraria todas as probabilidades e sobrevive triunfal às eventualidades da mãe natureza.
Veneza vista do alto do Campanário e ao fundo o contorno das Dolomitas.
UM POUQUINHO DE HISTÓRIA
Tudo começou com a fuga dos habitantes da região do Veneto com medo das invasões bárbaras, no século V. Eles se estabeleceram nas 65 ilhotas que existiam por ali. Logo, precisaram se expandir e assim desenvolveram um sistema de aterro sobre as áreas alagadas. Veneza se tornou uma província bizantina independente no século X. E, cresceu muito graças a sua localização privilegiada. Passou a fazer a ligação comercial entre Ocidente e Oriente. A cidade viveu momentos de glória e poder. No entanto, quando os portugueses descobriram uma rota alternativa pela África sua força foi abalada. No final do século XVIII Napoleão conquistou Veneza. Depois, virou território austríaco. Até finalmente ser incorporada à Itália, em 1866.
O centro histórico de Veneza hoje ocupa uma área de aproximadamente 7,6 quilômetros quadrados espalhados sobre 117 ilhas muito próximas, recortadas por 150 canais e conectadas por 409 pontes. Não é pouco para andar de um lado ao outro sem carro. Para ir do hotel em que estava hospedada à Piazza San Marco eu precisava caminhar 2 quilômetros de ida e mais dois de volta. Andei muito por lá. Mas, flanar por Veneza é adorável.
É difícil conseguir se localizar em Veneza sem um mapa.
Boa opção para não cansar das longas caminhadas são os táxis. Aliás, um passeio de táxi pelos canais de Veneza faz parte da viagem. Mas, prepare o bolso. Você não vai para lugar nenhum por menos de 60 euros. As gôndolas têm preços ainda mais salgadinhos. Os hotéis distantes do centro histórico têm transporte particular em horários específicos para alguns pontos da cidade. A população local costuma usar o Vaporetto, uma espécie de ônibus aquático. O problema é que ele vive abarrotado de gente.
As tradicionais gôndolas de Veneza.
CURIOSIDADE: Quando a maré sobe muito, os locais mais baixos da cidade, como a Piazza San Marco, alagam. Enchentes são comuns na cidade que já afundou 23 centímetros por conta da compressão natural do solo e da elevação do nível da água.
Água não falta em Veneza.
O QUE NÃO PODE FALTAR NUMA VISITA A VENEZA
Não necessariamente nessa ordem. Afinal, a ordem dos fatores não altera o produto.
1. PIAZZA SAN MARCO. Considerada como o centro de Veneza, ela é uma das praças mais bonitas do mundo. É imponente, grandiosa e diferente do convencional pois não tem uma árvore sequer. Mas, é repleta de pombos. De um lado tem a belíssima Basílica de San Marco e seu Campanário, que é a construção mais alta de Veneza e onde vale a pena subir para ver a cidade do alto. Do outro lado, lojas que vendem as tradicionais máscaras de Carnaval e muitos cafés. Não deixe de fazer uma pausa no Café Florian com seus salões espetaculares. Visite a praça várias vezes, com luzes diferentes e preste atenção ao relógio da Torre dell'Orologio (Torre do Relógio).
Piazza San Marco.
Torre do Relógio, na Piazza San Marco, feita no século XV.
O mostrador traz as representações das fases da lua e os signos do zodíaco.
2. BASÍLICA DI SAN MARCO: A Basílica é famosa por refletir o poder que Veneza ostentou por tanto tempo. Ela mescla referências do Ocidente e do Oriente numa obra grandiosa. O que se vê hoje foi construído a partir do século XI. Mas, essa já é a terceira igreja construída no local. A primeira sofreu com um incêndio e a segunda foi demolida para dar lugar a outra mais imponente. Um fato interessante é que, por lei, todo navio que estivesse voltando do exterior tinha, obrigatoriamente, que trazer um presente de valor para ornamenta-la. Seu exterior é magnífico. Tem várias colunatas em mármore de diversas cores, sobre a porta principal um belíssimo mosaico de São Marco e acima do mosaico dois enormes cavalos de bronze trazidos de Constantinopla, que hoje são réplicas e os originais estão guardados no museu da basílica. Mas, o que mais me encanta na basílica são os enormes domos arredondados quando vistos do alto do campanário ou quando vistos por dentro com seus belos mosaicos. As filas para entrar na basílica costumam ser grandes. Mas, vale a pena encarar. De todo modo, se der preguiça de enfrentar a espera, observe com calma seus detalhes por fora e só isso já é capaz de causar êxtase.
Domos da Basilica di San Marco.
3. CAFÉ FLORIAN. Depois de conhecer a Basílica di San Marco, circular pela Piazza di San Marco e visitar o Palácio Ducale é hora de fazer uma pausa para um descanso no legendário Café Florian. Durante o inverno, o ideal é sentar nas elegantes salas aquecidas para fugir do frio. Nas épocas mais quentes, as mesas são colocadas do lado de fora e o astral é mágico especialmente, no cair do dia, ao som de música clássica. Há vários outros cafés, um ao lado do outro, mas o Florian é o mais tradicional.
4. PASSEIO DE GÔNDOLA. Sei que as gôndolas não poderiam ser mais turístcas! Também sei que os preços são exorbitantes e os próprios venezianos não chegam nem perto delas. Mas, têm maneira mais romântica de circular pelos pequeninos canais da cidade com sua cara-metade? Então, esqueça desses detalhes e embarque numa viagem no tempo deslizando pelos canais tranquilos de Veneza à bordo de uma gôndola. Nem que seja uma única vez na vida.
De gôndola pelos canais de Veneza.
5. SCUOLA GRANDE DI SAN ROCCO. Essa escola foi fundada em 1515 em homenagem a San Rocco (São Roque), um santo que dedicou sua vida a ajudar os doentes em uma irmandade de caridade. Em 1564, o pintor renascentista Tintoretto foi contratado para decorar as paredes do prédio e trabalhou por 30 anos fazendo os afrescos no que hoje é um museu. A obra é de arrepiar. No térreo há 8 pinturas que ilustram a vida de Maria. A escadaria parece um túnel do tempo com pinturas de Scarpagnino. E, nos salões do andar superior temas bíblicos pintados por Tintoretto deixam qualquer um boquiaberto. Absolutamente imperdível. É um daqueles lugares em que você não tem vontade de ir embora e fica completamente entregue a contemplação. Pena que as obras não possam ser fotografadas. Ao lado, fica a Igreja de San Rocco também com trabalhos de Tintoretto. Valor do ingresso: 10 euros.
6. PASSEIO DE BARCO PELO GRAN CANAL. Gran Canal é a avenida mais larga e a principal de Veneza. É uma via "aquática" de 3 quilômetros cercada por construções belíssimas feitas ao longo de alguns séculos e que contam um pouco da história da cidade. A maneira mais barata e simples de percorrer esse trajeto é de Vaporetto - até porque não tem calçada e a água bate direto nas casas. Não tem como ir caminhando. No entanto, esse barco vive lotado. Se quiser fazer o passeio com menos gente por perto é preciso chamar um "táxi aquático". Porém, o preço vai nas alturas. Não sairá por menos de 60 euros. Observe o Palácio Sagredo, a igreja San Stae, a igreja San Marcuola, o Fondaco dei Turchi (atual Museu de História Natural), a igreja San Simeone Piccolo, a Riva del Vin, o Palácio Barzizza, Palácio Garzoni, igreja Santa Maria da Saúde e especialmente a Accademia (museu com maior acervo de pinturas venezianas do mundo).
Entrada do Gran Canal e na parte superior da foto, as cúpulas da igreja Santa Maria da Saúde.
7. PONTE DO RIALTO. A ponte do Rialto foi feita em 1591 e foi a primeira a transpor o Gran Canal, que atravessa a cidade toda. Tirar um foto nas suas escadarias faz parte do roteiro da viagem, mas esteja preparado para as cotoveladas, pois a ponte é um dos principais cartões postais de Veneza. Ela fica num bairro especial, repleto de mercados e vive cheia de turistas. E já que está nessa região chamada de San Polo aproveite para caminhar entre as barracas do mercado e lojinhas de alimentação que existem há anos naquele local e já foram as mais importantes do Mediterrâneo. O ideal é ir bem cedo, antes das 8 horas da manhã quando tudo está muito fresco e os chefs da cidade fazem suas compras.
Ponte do Rialto.
8. MADONNA DELL'ORTO. Igrejas não faltam em Veneza. São muitas mesmo. Mas, a Madonna Dell'Orto é especial. Essa igrejinha gótica, construída no século XIV, escondida e distante do centro foi dedicada inicialmente ao santo padroeiro dos viajantes, São Cristovão, protetor dos barqueiros. No entanto, o padroeiro foi transferido um século depois para outro local. Nesse meio tempo, foi encontrada perto dali uma imagem da Virgem Maria com supostos poderes milagrosos e ela passou a ser a nova padroeira da igreja. Assim, além de guardar uma santa milagrosa a igreja também guarda obras de Tintoretto, que frequentava a igreja e está ali sepultado com sua família. Vale um desvio da rota turística tradicional. A igreja é uma graça e numa área pouco explorada por turistas.
Madonna dell'Orto.
9. TRATTORIA ALLA RIVETTA. Comer bem em Veneza é fácil. Apesar, de ser uma cidade turística e cheia de restaurantes feitos especialmente para turistas. Perguntando aos moradores da cidade onde eles mais gostavam de comer cheguei à essa tratttoria simples, animada e de excelente qualidade. Tudo que veio à mesa estava impecável. Não é um restaurante estrelado, mas ficou marcado como uma bela experiência gastronômica veneziana. O endereço é Ponte 5, Provolo. Telefone: 041 52 87 302.
Outros restaurantes que indico são:
Trattoria Da Fiore. Conhecido pelos peixes frescos, pela fritura mista e por servir siri mole em determinadas épocas do ano. (Santo Stefano 3461, San Marco. Tel: 041 52 35 310) Esse restaurante foi uma indicação da amiga Roberta Sudbrack que também indicou a Osteria alle Testieri e o Al Covo (que não tive tempo de experimentar. Ficam para a próxima).
Il Paradiso Perduto. Não fica num ponto turístico. É fora do centro, mas vive lotado, muito lotado de gente. Decoração exótica e ambiente bem descontraído. (Cannaregio, 2540, Campo dei Mori. Tel: +39 041 720581). Vale a pena fazer uma reserva.
Osteria L'Orto dei Mori. Também fora da zona turística e excelente. Tem que fazer reserva, pois é bem pequeno e está sempre cheio. (Cannaregio, 3386, Campo dei Mori. Tel: 041 52 43677).
10. HARRY'S BAR. Impossível ir a Veneza sem dar uma passadinha no bar mais conhecido do mundo. Pequeno e sem muita pompa, o bar frequentado por Hemingway continua atraindo uma quantidade enorme de pessoas que querem provar um Bellini original. Afinal, ali foi criada a bebida que ganhou fama mundo afora. Um drinque a base de prosecco e suco de pêssego. O Bellini é a cara de Veneza. Tanto que no Reveillon garrafas de Bellini eram distribuídas gratuitamente à todos que estavam circulando pela Piazza de San Marco.
Piazza di San Marco e Bellini. Uma combinação totalmente veneziana.
Bellini por toda parte. A cara de Veneza.
E, já que estamos no mês de fevereiro, em plena época de carnaval no Brasil, não podemos deixar de lado a tradicional festa de carnaval veneziana que acontece exatamente no mesmo período. A festa vem de longa data, mas caiu em decadência e foi ressuscitada em 1980 com todo seu glamour e pompa. Mascarados enchem a cidade paramentados com roupas rendadas elegantes e perucas à moda do século XVIII. Lembram os dias de Casanova e personagens da Commedia dell'Arte.
Roupas do carnaval de Veneza.
Máscaras do carnaval veneziano.
INDICAÇÃO DE HOTEL: Fiquei hospedada no Hotel Dei Dogi (Boscolo Luxury Hotel). Excelente. Quartos amplos, banheiro moderno, super café da manhã. Porém, distante dos principais pontos turísticos. Como fiquei quase uma semana na cidade foi excelente para conhecer uma parte de Veneza que ainda não conhecia, experimentar novos restaurantes e circular bastante com o barco do hotel. No entanto, para quem tem a intenção de ficar poucos dias não recomendo. Melhor escolher um hotel mais central.
Para quem quer curtir Veneza num clima romântico e em grande estilo recomendo o Hotel Aman Canal Grande Venice que fica pertinho da Ponte do Rialto. Fantástico.
O inconveniente é o preço. Salgadíssimo.
Veneza é isso. Uma cidade ímpar. Capaz de seduzir, aquietar e desorientar como nenhuma outra. Apesar de já ter perdido parte de sua majestade, se mantém altiva e capaz de encantar a todos. Como dissse o escritor Henry James:
"uma visita a Veneza é o início de um eterno caso de amor".
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