TRAJETO DELHI - AGRA, UM CAMINHO DE FORTES
EMOÇÕES
Por Claudia Liechavicius
Depois de passar três dias intensos vivenciando a estarrecedora Delhi, o próximo passo era ir ao encontro da tão sonhada Agra, em busca do Taj Mahal. Malas no carro, café da manhã deliciosamente resolvido, hora de partir. Havia a possibilidade de tomar dois caminhos para percorrer os 200 quilômetros que ligam as duas cidades (já que o aeroporto de Agra não estava ativado - isso acontece nos períodos de muita neblina). Um deles era uma auto-estrada que corta o cenário rural da Índia e cujo tempo de viagem duraria entre 2 e 3 horas. A outra, era uma estrada interna que passaria por vários vilarejos e povoados, tendo mais ou menos a mesma quilometragem da anterior, mas com uma duração entre 4 e 5 horas. Por sugestão do motorista, optei por ir pela estrada interna e voltar pela freeway. Escolha acertada. Quanta emoção!
Estrada Delhi - Agra.
Assim que o carro entrou em movimento começou a passar um filme pelas janelas. Qualquer combinação de palavras que eu tente usar para expressar minha experiência nessa estrada, será pequena, perto do que realmente vivi. Carros na contramão, animais na pista, tuk-tuks abarrotados de gente, macacos brincando no acostamento, carroças puxadas por camelos com enormes carregamentos de palha, sujeira por todo lado, vacas perambulando.
Tuk-tuks repletos de gente pelas estradas.
Confesso que a princípio me senti atormentada, confusa, desconcertada, perdida e até amendrontada, com receio do carro bater. Tentava fechar os olhos, mas eles insistiam em ficar tão abertos que quase nem piscavam. Nunca vi nada parecido em uma estrada. Caos total. Lógica zero. E o carro andava suavamente entre buzinadas e freadas, a meros 40 quilômetros por hora, quando não ficava preso numa confluência de carros, pessoas e animais, sem poder andar. Descarreguei litros de adrenalina no sangue. Tensão total. A ordem que rege aquele trânsito é uma incógnita. Mas, por milagre, todos saem ilesos!
Macacos no acostamento.
Enfim, só posso dizer que os indianos são os melhores motoristas do mundo! Sinais e placas de trânsito não existem. A comunicação é feita na base da buzina. Quem vai à frente tem preferência, assim como carros maiores também. A distância regulamentar de um veículo para outro parece ser de meros 2 centímetros quando muito. No final das contas, não vi um acidente sequer e até consegui entrar no ritmo da viagem para desfrutar da paisagem colorida que dançava à minha frente.
E lá se vai a família toda depois de descer de um pequenino tuk-tuk.
Como couberam?
UMA PARADA EM MATHURA...
No caminho, antes de chegar em Agra, fiz duas paradas. A primeira, em Mathura, a 60 quilômetros de Agra. A cidade fica às margens do rio Yamuna e é reverenciada como o local do nascimento de Krishna.
Pelas ruas de Mathura.
Krishna é o oitavo avatar de Vishnu, uma das figuras mais importantes do hinduísmo. A forma original de deus, superior a todas as outras expansões divinas (que aliás, dizem emanar dele). Vishnu juntamente com Shiva eBrahma formam a trindade hindu, sendo Vishnu o deus responsável pela manutenção do universo.
Em sânscrito, Krishna significa negro, azul ou azul-escuro. Ele é facilmente reconhecido por ser retratado na cor azul, em vestes amarelas e com uma coroa de penas de pavão. Segundo reza a lenda - aliás uma das lendas, pois há várias versões - ele foi concebido por meio de uma "transmissão mental" portanto, sem união sexual entre a princesa Devaki e seu marido Vasudeva, sendo o oitavo filho do casal.
Nasceu no ano 3228 a.C. Na época, o reino era comandado pelo rei Kamsa, que não era considerado uma boa pessoa. Um dia, o rei ouviu uma voz dizendo que o oitavo filho daquela casal iria leva-lo à morte. Então, o rei mandou trancar os dois numa cela e fez menção de matar Devaki. Vasudeva implorou para que o rei deixasse sua esposa viva e prometeu que cada filho que nascesse seria levado à sua presença. Assim, cada filho que nascia era morto pelo rei. Além disso, mandou matar todos os meninos de até 2 anos de idade que existiam no reino, quando ficou sabendo que nasceria o oitavo filho do casal e que ele poderia ser uma reincarnação de Vishnu. Esse pavor todo começou quando o rei foi alertado por uma sábia que na sua vida anterior tinha sido um demônio chamado Kalenemi morto por Vishnu. Quando o bebê nasceu, ele foi imediatamente escondido, tirado da prisão e entregue a uma família adotiva. Já crescido, Krishna retornou à Mathura, acabou com o governo de Kamsa, instituiu o pai verdadeiro como rei e a si mesmo como príncipe da corte. Krishna morreu em 3102 a.C. ao receber uma flechada. Esse fato marca o início de Kali Yuga, a era da hipocrisia e das desavenças.
O local exato do nascimento de Krishna dizem ter sido no Templo Sri Krishna Janmabhoomi, em Mathura. Na verdade, o templo foi feito onde supostamente era a cela em que Krishna nasceu. O templo foi construído cinco vezes. A primeira vez, dizem que há 5 mil anos. A segunda vez, no ano 400 d.C. durante o reinado do imperador Chandragupta Vikramaditya. Há relatos de que era belíssimo. Mas, em 1017 foi destruído. E, em 1150, surgiu sua terceira versão no reinado de Raja Dhrupet Dev Janjua, imperador de Mathura. Novamente foi destruído, no século XVI por um sultão e 125 anos depois foi refeito pela quarta vez. Em 1669, foi posto abaixo mais uma vez e uma mesquita foi erguida no seu lugar. Então, em 1803, chegou a vez dos britânicos ditarem as regras em Mathura. O local do templo foi vendido e, com auxílio financeiro e muito esforço privado, em 1951, o templo atual começou a ser edificado, tendo ficado pronto em 1982. Ufa.
Templo Sri Krishna Janmabhoomi.
Na entrada, filas longas. Já ouviu falar em "fila indiana"? Pois é. Filas foram um modo que os regrados ingleses usaram para tentar organizar aquele país caótico e superpopuloso. Elas são sempre enormes. Existem em todos os lugares. Não há como escapar delas. E, nos templos, geralmente homens entram por um portão e mulheres por outro. Até aí tudo certo. O chato mesmo é que as máquinas fotográficas têm que ficar do lado de fora. Então, não tenho nenhum registro do interior do templo onde o que mais chama atenção são as pessoas vindas de várias regiões do país. A cidade tem uma estação ferroviária que recebe trens vindos de Delhi, Mumbai e Chennai.
Muita gente à caminho do Templo Sri Krishna Janmabhoomi.
Já deu para ver que Mathura é uma importante cidade sagrada no estado de Uttar Pradesh. Além disso, foi um grande centro econômico, por onde passavam várias rotas comerciais, foi a capital do reino Surasena governado por Kamsa, foi o berço de Krishna. No entanto, o turismo internacional não é desenvolvido. A meu ver, isso torna a visita ainda mais interessante. Apenas indianos, das mais variadas regiões do país circulam pelas ruelas pobres da cidade em seus trajes inusitados e coloridos. Eu era a intrusa, atraindo o olhar da multidão.
Outro ponto de interesse de Mathura são os 25 ghats que formam um conjunto de templos, árvores e degraus de pedra que descem até a água para que os peregrinos façam seus rituais de oferendas e purificação à beira do rio. Os macacos dominam a região. Afinal, também são deuses.
Ghats de Mathura, as margens do rio Yamuna.
Para ter melhor acesso aos ghats, pequenos barcos ficam à disposição.
... E OUTRA PARADA EM SIKANDRA
Sikandra é onde está o mausoléu do imperador mongol Akbar. Fica a oito quilômetros de Agra, quase na entrada da cidade. O que se acredita é que o próprio imperador tenha projetado e iniciado a construção de seu mausoléu, que foi terminado pelo filho Jahangir.
Entrada do mausoléu de Akbar, em Sikandra.
O templo é belíssimo. Sua simetria é perfeita, como na maior parte dos mausoléus indianos. A entrada é feita por uma enorme porta em arenito vermelho que conduz a um grande jardim cercado por muros. O jardim é dividido por canais de água em quatro partes, que representam os quadrantes da vida. Ali, cervos e macacos brincam em harmonia sem se importar em ser a atenção de tantas máquinas fotográficas.
Mausoléu de Akbar e seus minaretes que lembram muito os do Taj Mahal.
E, nesse ponto, já havia sete horas que tínhamos deixado Delhi para trás. Agra se aproximava. A noite caía. O dia tinha sido fantástico e cansativo. Uma estrada mais emocionante do que uma montanha-russa, a cidade sagrada de Mathura e o monumental mausoléu de Akbar. Era hora de chegar ao oásis chamado Oberoi Amarvilas para descansar e preparar o espírito para a joia suprema do império mongol, o Taj Mahal.
Até o próximo post com o relato de Agra!
Por do sol em Sikandra.
DISTÂNCIA DELHI - AGRA
205 quilômetros pela estrada NH 2, que passa por vários vilarejos e cidadelas (leva pelo menos 5 horas sem nenhuma parada).
210 quilômetros pela Yamuna Expressway, estrada de alta velocidade que corta a região rural de Uttar Pradesh (leva em torno de 2 horas e meia sem nenhuma parada).
O QUE VER NO CAMINHO
Cidade de Mathura onde nasceu Krishna. Principais atrações: Templo Sri Krishna Janmabhoomi e Ghats.
Cidade de Sikandra. Atração: Mausoléu de Akbar.
HOTEL EM AGRA
Oberoi Amarvilas.
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http://www.viajarpelomundo.com/2012/12/delhi-agra-um-caminho-de-fortes-emocoes.html
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