Sempre na minha mente e no coração...

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terça-feira, 3 de junho de 2014

Amor e Psiquismo

Amor e Psiquismo

Por Paulo Urban

Afinal, o que vem a ser, em essência, o amor?
Mesma pergunta fazia-se Sócrates, sábio grego,
durante um banquete, há 2500 anos.

Claro, estamos longe de resolver a questão,
e talvez, definir o amor seja impossível.
Pergunto a meu leitor: fosse convidado a falar sobre o amor num jantar, o que faria? O que diria aos presentes? 
Afinal, o que vem a ser, em essência, o amor?

 Mesma pergunta fazia-se Sócrates, sábio grego, durante um banquete, há 2500 anos. Claro, estamos longe de resolver a questão, e talvez, definir o amor seja impossível.

O fato é que, dotados de razão, temos plena consciência de como nossa existência é breve, e do quanto a solidão pode fazer parte dela. Talvez, por isso, a natureza humana tenha inventado o amor, numa tentativa de dar aos outros aquilo de que mais temos necessidade, a preencher magicamente essa nossa falta essencial. Ou talvez seja a amor quem nos tenha criado, e por capricho emprestado à nossa alma a chance de experimentá-lo.

Eros e Psique, respectivamente, são entidades mitológicas que personificam o amor e a alma. No idioma grego éros provém do verbo érasthai, que significa "desejar ardentemente", e alma forma-se a partir de psýkhein, cujo sentido é o de "sopro de vida".

Curiosamente, o deus do amor não toma parte das epopéias de Homero (Ilíada e Odisséia); mas faz-se presente dali a algumas décadas na Teogonia, escrita nos fins do séc. VIII a.C. por Hesíodo, poeta camponês beócio. 

Até então, Eros era cultuado na Beócia apenas como agente fecundador dos animais e propiciador dos matrimônios, mas o poeta o transformará num deus primordial, a conferir com as cosmogonias mais arcaicas oriundas de outras regiões da Magna Grécia.

"No princípio era o Caos", diz o poeta; "de onde surgiu Gaia, a Terra, de largos flancos, base segura para todos os seres, e Eros, o mais belo dentre os imortais, capaz de desequilibrar os membros e de subjugar no peito de todos os homens e deuses o coração e a sábia vontade". (...) 

"A Terra, então, engendrou Urano, o Céu Estrelado, capaz de cobri-la por inteiro e de oferecer aos deuses sua base para sempre". Nos versos seguintes, a Teogonia nos revela que devido à presença de Eros, o amor universal, Gaia apaixona-se por Urano, e o abraça até ser fecundada, gerando muitos filhos e povoando toda a Terra.

Em sua concepção, Hesíodo não só enriquece as antigas versões da Criação, esparsas pela tradição grega, como sistematiza toda a genealogia dos deuses em torno do Amor, força primordial de atração, capaz por si só de justificar a união entre os seres e suas gerações.
Numa variante órfica, por exemplo, Caos e Nix (a Noite) é que estão na fonte cósmica; Nix põe então um ovo do qual nasce Eros; este, ao romper a casca em duas metades, faz nascer Gaia e Urano.

 Embora assuma distintas genealogias, quase que invariavelmente Eros traz esse aspecto de potência vital do cosmos, e transmite a toda e qualquer união sexual o padrão da primeira hierogamia (casamento divino), o enlace entre Céu e Terra, de onde derivam todas as formas viventes.
O I Ching, livro milenar de sabedoria taoísta, nos diz que "quando essa penetração recíproca se opera, Céu e Terra se harmonizam e todas as dez mil coisas se produzem".

 É o signo da conjunção dos opostos, da união entre pares que se completam, Yin e Yang que se fecundam mutuamente.
No Brahmanismo encontramos o mesmo dinamismo na representação de Shiva-Shákti, divindade hermafrodita cujo aspecto masculino (Shiva) está perenemente se fundindo ao de sua consorte.
 Shiva, conforme dança, transforma-se em Shákti ao mesmo tempo que esta volta a ser Shiva, buscando reencontrar a unidade original por detrás da androginia.

Hesíodo influenciou Parmênides de Eléia, séc. VI a.C., o primeiro racionalista da filosofia ocidental. Em Sobre a Natureza, Parmênides traça dois caminhos: o do Ser, ou da Verdade, a única realidade que existe, e o da Opinião, centrado nos sentidos e aparências. Sua segunda via está constituída por dois princípios: Luz e Trevas, de onde todas as formas aparentes se originam, mescladas por uma única força capaz de unir os princípios opostos fundamentais, o amor.

Outro filósofo, Empédocles de Agrigento, séc. V a.C., ao retornar da Sicília envolto por idéias da Escola pitagórica, tentou unir num único sistema a "filosofia do Ser" de Parmênides com a "do devir" de Heráclito, que lhe fazia direta oposição. Para este último, o conflito é o pai de todas as mudanças, e a vida, numa alegoria, nada mais é que o resultado da tensão entre o arco e sua corda. Empédocles imaginou então o cosmos como uma esfera absoluta e fechada, homenagem ao Ser de Parmênides, mas pôs nela o conflito de Heráclito, fazendo de Philia, outro nome para o amor, e neikos, o ódio, as forças opostas e complementares inerentes aos quatro elementos (água, fogo, terra e ar) que, misturados entre si, geram todas as coisas mutáveis da vida. 

Mas dentre os antigos, foi Platão (428-347a.C.), sem dúvida, quem mais se dedicou a discutir o amor, tornando-o um dos pontos fulcrais de seu sistema filosófico. Toda a sua Obra procura estabelecer a via de relação entre o mundo incorpóreo e perfeito das idéias e o plano material das coisas sensíveis, ao qual estamos presos, em meio às meras imitações das formas puras. Se, por um lado, Platão revela ser a dialética o exercício capaz de nos alçar deste mundo denso das opiniões ao sublime mundo das idéias, em seu diálogo O Banquete, o filósofo nos oferece uma nova perspectiva para este salto evolutivo. 

Propõe que pela ascese erótica cheguemos a essa contemplação, pois a alma, quando quer que se deixe levar pelo amor, vislumbra a própria divindade. Eros é, pois, o mediador entre as vicissitudes da realidade imediata e as verdades transcendentes.
Em 416 a.C., numa festa na casa de Agaton, que comemorava um prêmio recebido por uma de suas Tragédias, os convidados se propõem a competir discursando sobre o amor. Fedro de Mirrinote, primeiro a falar, mostra o amor como o mais bondoso dos deuses; Pausânias, em seguida, distingue o amor sexual do espiritual; e o médico Erixímaco trata o amor como uma força organizadora do cosmos. 

O comediante Aristófanes narra então um mito acerca dos andróginos e a separação dos sexos, e é seguido pelo anfitrião, que se põe a louvar deus Eros, enaltecendo sua beleza, vendo-o como fonte de inspiração. Convidado especial do banquete, cabe a Sócrates falar por último.
 "Não poderei fazê-lo", ele diz, argumentando não reunir talento para tanto diante de tudo que já fora exposto. Mas os presentes, inconformados, cobram dele uma opinião.Ponderando, o sábio diz que falará então à sua maneira, sem fazer elogios e sem querer competir. Aplica então a maiêutica aos discursos apresentados, pergunta a todos sobre a verdadeira essência do amor e, evidentemente, ninguém sabe defini-la.

Sócrates introduz então um mito que diz ter ouvido da sacerdotisa Diotima de Mantinéia: quando nasceu Afrodite, os deuses banqueteavam no Olimpo; mas haviam se esquecido de convidar Penúria, deusa da pobreza, que, após a festa, miserável e faminta, veio à caça dos restos enquanto todos dormiam. Nisso encontrou Poros, deus dos recursos, embriagado e prostrado no jardim dos deuses. Deitou-se com ele, e concebeu Eros.

 "Eis porque o Amor se tornou amante do belo e servo de Afrodite, pois foi gerado em seu dia natalício", explica Sócrates. Assim como sua mãe, o amor vive faminto e sedento, deseja preencher-se; como o pai, encontra sempre expediente para alcançar o que deseja.


O mito revela uma grande lição: amar é desejar o que nos completa, é a possibilidade de preenchimento pleno, uma busca pela perfeição. O amor se vale de todos os recursos para aplacar a dor da falta, e procura pela forma pura e perfeita. Amar é desejar o belo em sua essência, para além do mundo das ilusões. Mas onde se encontra a beleza no mundo das formas corpóreas? O que de fato amamos quando amamos as coisas belas? São perguntas que decorrem do discurso socrático. 

Ora, nos corpos físicos, a união do amor gera a imortalidade dos pais nos rostos de seus filhos, e nas almas belas o amor floresce em pensamentos e atitudes com sua beleza compatíveis.
Por esse mito fica evidente o quanto Platão procurava romper com a tendência de se enxergar Eros como um deus primordial todo poderoso. Uma das conquistas de sua Academia foi "baixá-lo" no Olimpo, trazendo o amor para uma realidade bem mais próxima dos humanos. O leitor, portanto, sinta-se convidado ao banquete de Platão. Ainda que não saiba definir o amor, que sorva cada gota de seu néctar, experimente de todos os seus pratos e participe da alegria dos presentes. 

Talvez por isso os gregos reservem um mesmo termo, ágape, para designar tanto os banquetes como o amor fraternal.
Com o passar dos séculos, novas genealogias para o Amor surgiram. Umas têm Eros como filho de Hermes e Ártemis, outras lhe emprestam a paternidade do casal Ares e Afrodite; noutras fontes ele tem ainda um irmão que é seu contrário, chamado Anteros.

Mas foi o poeta latino Lúcio Apuleio (125-170d.C.) quem compôs pela primeira vez a estória de amor entre Eros e Psique. Seu relato busca raízes na mitologia e (re)vela o cerne da doutrina platônica, ensinando-nos que a alma só pode ser feliz quando transformada pelo amor. Amplamente difundida, a versão de Apuleio tem servido pelos séculos como fonte de inspiração a escultores, pintores, literatos e músicos que imortalizam Eros e Psique em suas Obras.


Passemos juntos brevemente por algumas cenas do mito, na impossibilidade de tratarmos aqui de todas as suas nuances.
Um rei e uma rainha tinham três filhas. As duas mais velhas, embora bonitas, não despertavam nos homens a paixão arrebatadora que lhes causava Psique, a princesa mais jovem, dotada de descomunal beleza. Julgando-se incapazes de pedi-la em casamento, por considerá-la divina, os homens passaram a fazer-lhe oferendas, com o que se esvaziaram os templos consagrados a Afrodite. Menosprezada, a deusa em sua cólera resolve castigar a pobre mortal, e ordena a seu filho Eros que a atinja com uma de suas flechas, de modo a fazer com que sua rival se apaixonasse por algum monstro. Temeroso da ira divina, o casal se antecipara consultando o Oráculo de Apolo em Mileto. O vaticínio fora claro: deviam abandonar a princesa à beira de certo penhasco, de onde ela seria levada por uma terrível criatura. Resignados, os reis cumprem sua pena. Mas Eros, que havia se apaixonado por Psique à primeira vista, dera ordens a Zéfiro, o vento, para que este arrebatasse a moça e a deixasse salva em seu palácio secreto, sem luzes, todo feito de ouro, prata, cedro e marfim. Naquela mesma noite Eros se apresenta à princesa, faz dela sua mulher, mas a proíbe terminantemente de ver sua face, e promete voltar visitá-la todas as noites, sempre coberto pela escuridão. Psique passa a viver seus dias sozinha, cercada apenas por uma multidão de Vozes que lhe atendiam todos os desejos.

Mas a deusa Fama, cujo nome grego significa "divulgar", revela às irmãs de Psique onde ela se encontra, e ambas resolvem visitá-la. 

Eros, em seu pressentimento adverte Psique de que alguma desgraça adviria por intermédio de suas irmãs, mas a esposa, saudosa demais, consegue convencê-lo a recebê-las no palácio. Eros cede, mas exige que Psique renove a promessa de nunca desejar ver seu rosto, mesmo que as irmãs a convençam do contrário.
O encontro a princípio foi só deslumbramento, mas aos poucos a inveja das irmãs preteridas pelo destino se transforma em desejo de vingança. Numa segunda visita, estando Psique grávida, as irmãs passam a envenená-la dizendo que seu marido não poderia nunca ser um homem, senão uma serpente de mil anéis que apenas esperava pelo oportuno momento para devorá-la junto com a criança concebida em seu ventre. Dão a ela uma lâmpada a óleo e uma adaga, e insistem para que à noite, depois de se amarem, tão logo o marido dormisse, ela iluminasse sua face e o matasse caso constatasse estar deitando com um monstro.

Angustiada, Psique segue à risca os terríveis conselhos. Com a adaga numa das mãos e a lâmpada na outra, aproxima-se e ilumina o rosto de seu amo. Hipnotizada diante de divina beleza, treme e cai de joelhos, ferindo-se numa flecha do marido guardada ao lado do leito, ao mesmo tempo que derrama óleo quente sobre o ombro do amado. Com um grito de dor, Eros acorda e seu semblante se entristece; sem dizer palavra, sobe e desaparece nas nuvens, separando-se de Psique, agora mais do que nunca ferida pela paixão eterna.

Mas não tema o leitor; em nome do amor, nosso mito acabará bem.
Eros retorna para junto de Afrodite, para que esta lhe curasse sua ferida. A deusa descobre então que vinha sendo traída pelo filho e se enfurece. Psique, por sua vez, procurando resgatar o amor perdido, oferece-se como escrava de Afrodite. A deusa, disposta a humilhá-la, promete-lhe seu filho em troca de quatro tarefas impossíveis. 

Primeiramente pede-lhe que separe por espécie numa só noite uma enorme quantidade de grãos de trigo, cevada, milho, lentilhas, favas etc... Ajudada por um batalhão de formigas, Psique consegue o feito. Irritada, Afrodite pede a Psique que lhe traga flocos de lã de ouro de ovelhas selvagens venenosas. Um caniço verde lhe sopra o que fazer, ensinando-a colher a lã ao entardecer, quando as ovelhas se amansavam num regato em meio aos arbustos; e Psique poderia colher os flocos presos em seus galhos. Terceira tarefa: buscar água da nascente do Estige, no alto de um rochedo guardado por terríveis dragões. 

Desta vez será uma águia quem virá em sua ajuda, colhendo para ela uma jarra dessa fonte. Afrodite quase enlouquece, e cobra-lhe um último castigo. Exige que entre no Hades, reino dos mortos, para que fosse buscar com Perséfone uma caixinha com o pó da juventude. Uma torre aconselha Psique quanto às armadilhas do percurso, e Psique cumpre bem sua perigosa viagem. Recebe em suas mãos a encomenda, mas já no caminho de volta, não resistindo à idéia de experimentar o pó mágico com o qual ficaria eternamente bela para Eros, abre a caixa, aspira seu conteúdo vazio; e desmaia para sempre num sono profundo.


E onde está o final feliz?, pergunta-se o leitor. 

Ora, entendamos primeiramente alguns aspectos psicológicos do mito.
Interessante notar que conquanto o amor seja divino, a alma, ainda que de nobre estirpe, é humana e mortal. Sua condição especial, entretanto, atrai a ira de Afrodite, deusa do prazer e da beleza, que, distinta de Psique por sua função estanque na ordem do cosmos, não pode evoluir; a ela não foi dada essa chance. Por isso quer banir de sua frente a princesa, representante da beleza anímica capaz de evoluir e transformar-se. Erro primário da deusa, a revelar também a sua imperfeição, foi enviar logo o Amor para destruir a vida, algo impossível por acepção natural da virtude.
mariliagambi.wordpress.com

Eros não só protege Psique como se apaixona por ela, e a prende em seu paraíso idílico, onde a alma passa a viver indiferenciada. O palácio de ouro, prata, cedro e marfim, revela a preciosidade do estado puro da alma que, inconsciente de si mesma, está sozinha. Ela não conhece a fonte de seus prazeres nem aquilo que, oculto pela sombra da noite, lhe faz bem e lhe basta. Ora, são suas irmãs, ícones das forças matriarcais reprimidas, que assumem relevante papel, sem o qual a alma nunca acordaria nem deixaria o Éden da inocência. Elas a forçam a romper os tabus e levam-na à verdadeira experiência da sedução, dirigindo-lhe seus passos.

 A alma segue à risca sua natural tendência, e caminha em direção ao abismo da consciência. A queda nessa nova realidade ocorre quando Psique quebra sua promessa e enxerga o rosto proibido. Em verdade, o que ela vê é sua própria face desconhecida, pois, apesar da falta cometida, ela descobre a beleza em seu ideal e perfeição, enxerga a realidade de que nos fala Sócrates no Banquete. Semelhante situação enfrenta o casal adâmico no Velho Testamento da tradição judaico-cristã, que, por seu pecado, é expulso do Éden. Notemos ainda que Psique deixou-se levar por sua submissão à imagem de uma serpente de mil anéis, correlata da serpente bíblica.

À luz da lâmpada, Psique entende que Eros sintetiza a união de seus mundos inferior e superior. Ao vê-lo partir, lança-se na dor do abismo na esperança de recolher-se a si mesma através da viagem que empreenderá ao mundo dos mortos. Auxiliada por sua própria consciência, ela se entregará à grande iniciação, ao processo de morte e renascimento pelo qual sofrerá sua metamorfose. A evolução da consciência acha-se aqui bem demarcada por quatro de seus aspectos que serão assimilados ao longo da jornada: as formigas (instintos primitivos), o caniço (sistema neuro-vegetativo), a águia (aspecto masculino profundo ou o animus) e a Torre (o feminino oculto ou a anima).
Mas por que fracassa Psique quando tem nas mãos a caixa da imortalidade, estando prestes a vencer o jogo? Ora, ela decide não entregar a Afrodite aquilo que conquistou com seu pleno sacrifício. A alma mortal, em conflito com a deusa, aceita atrair para si a maior das desgraças na tentativa extrema de alcançar ela própria a imortalidade, igualando assim sua condição a de seu amado divino. Psique tudo sacrifica pelo Amor, até a própria vida, e por isso é que vence e se transforma.

Aliviemos a tensão. Eros se aproxima de sua bela adormecida, guarda o sono de novo na caixa, e desperta Psique para levá-la consigo ao Olimpo.
Também ele está amadurecido; curado pelo sacrifício da princesa, nada mais precisa fazer às escusas de sua mãe. E o herói vai pedir autorização a Zeus para celebrar seu casamento. A divindade suprema reconhece o esforço da alma evoluída e transformada, e mostra a Afrodite o descabido de seu ciúme, pois Psique agora é transcendente, imortalizou-se em sua grande iniciação, tornando-se digna do banquete dos deuses.
Eros, como todo herói, não foge à sua sina; sempre traz consigo uma alma apaixonada.

Fernando Pessoa nos revela essa verdade em sua poesia Eros e Psique:

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante, que viria
De além muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega em sono onde ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra a hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

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