Filho único: a missão
O que faz uma criança ficar mimada não é o fato de não ter irmãos para brincar, mas a educação que recebe dos pais, avós e responsáveis.
Por Ana Kessler 1/out 13:35
Se elogio uma amiguinha, não a estou elogiando. Se compro um sapato para mim, pede um pra ela, afinal, é injusto eu ganhar e ela não. Quando argumento que não necessita, pois está cheia de calçados no armário, sugere, então, outra compensação. E lá vou eu, outra vez, explicar que a vida não é assim, que dinheiro não é capim, e que, sim, posso me fazer um agrado sem necessariamente ter que fazer um a ela. Temos direitos independentes, méritos baseados em trabalho, esforço e cumprimento de deveres. Em outras palavras, quer recompensa? Sue a sua própria camiseta.
Leia AQUI a "tabela do bom comportamento” que estou implantando em casa.
Outra situação enervante é quando estou ao telefone. Justo nesta hora a Bia precisa falar comigo. Aparecem os problemas e situações mais inusitados para eu ajudá-la a resolver, tudo para chamar a minha atenção. Quando não dá certo, simplesmente começa a cantar ou mesmo dançar e pular em volta. Ou pede para falar com a pessoa com a qual estou conversando. Oi? Sinto muita falta de um parceiro nessas horas. Um contraponto que divida a responsabilidade exaustiva de colocá-la nos eixos. “Hei, você não está vendo que a sua mãe está ocupada?”, uma voz ativa, imperativa. E que não seja a minha.
Mas o mito do filho único exigente, exclusivista, egocêntrico há muito caiu por terra. O que faz uma criança ficar mimada não é o fato de não ter irmãos para brincar, mas a educação que recebe dos pais, avós e responsáveis. Numa família numerosa, o caçula pode ser mimado, o primogênito ter regalias e ser o “eleito” da prole, a menina ser a preferida e ganhar mais mimos. Então, quantidade não é qualidade.
Em uma entrevista à revista IstoÉ, a psicanalista Diana Corso destacou outro ponto importante: cada vez mais os pais prezam seus interesses pessoais. “O filho único acaba tendo que dividir seus pais com outras prioridades da vida deles. Então, ele já não é tão soberano assim”, disse Corso. Eu vejo isso acontecer aqui em casa. Procuro manter uma vida adulta, onde resgato meu lado mulher, independente do universo “mãe”. É difícil achar tempo, mas quando consigo, saio com amigas, trabalho, viajo sozinha, deixo bem claro para a Bia que o fato de eu me amar não quer dizer que não a ame. E que preciso ter momentos só meus de vez em quando.
É preciso deixar nossos filhos errarem mais, tirarem as próprias conclusões e sofrerem as consequências boas e ruins. Os limites devem ser claros, os deveres cumpridos, as responsabilidades delegadas. Os exemplos dados. Tento, sinceramente e com muito empenho, colocar em prática tudo isso. E é frustrante quando não dá certo, quando a Bia se recusa a crescer e não faz a parte dela. Me doem as entranhas, tenho vontade de me rasgar ao meio. Mas sigo tentando.
Meu erro é desejar o imediatismo. E resultado imediato não existe. Únicos ou numerosos, educar filhos requer repetição à exaustão. Não uma, duas ou vinte vezes, isso multiplicado ao cubo. Por dia, por mês, por ano. Repetir orientações, valores, gestos de paciência e de amor. É uma missão sem fim. Talvez o resultado final dependa mais do quanto estamos dispostos e somos capazes de assumir tal missão de forma madura. E não nos comportarmos, nós mesmos, como crianças mimadas.
Um comentário:
Cher, tudo bom?a quanto tempo não nos falamos.Muito bom te ver.Beijos no coração.Leomária Mendes Sobrinho
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