Filho único: a missão
O que faz uma criança ficar mimada não é o fato de não ter irmãos para brincar, mas a educação que recebe dos pais, avós e responsáveis.
Por Ana Kessler 1/out 13:35
Que Supernanny, que nada! Eu preciso é do Copérnico. Minha filha acredita que o universo gira em torno do seu umbigo. Não são em todas as situações, mas são em muitas. Esta verdade está arraigada em seu mais íntimo ser e, quando confrontada, quando lhe dizem que não é bem assim, ou ela fica emburrada ou sequer se dá ao trabalho de ouvir. Como os antigos que acreditavam que o sol e os corpos celestes giravam em torno de uma Terra centralizada e merecedora de tamanha adoração, assim também são os filhos únicos.
Se elogio uma amiguinha, não a estou elogiando. Se compro um sapato para mim, pede um pra ela, afinal, é injusto eu ganhar e ela não. Quando argumento que não necessita, pois está cheia de calçados no armário, sugere, então, outra compensação. E lá vou eu, outra vez, explicar que a vida não é assim, que dinheiro não é capim, e que, sim, posso me fazer um agrado sem necessariamente ter que fazer um a ela. Temos direitos independentes, méritos baseados em trabalho, esforço e cumprimento de deveres. Em outras palavras, quer recompensa? Sue a sua própria camiseta.
Leia AQUI a "tabela do bom comportamento” que estou implantando em casa.
Um erro que já cometi e agora evito é interferir em brigas com coleguinhas. Sem irmão em casa, os amigos fazem este papel aos filhos únicos, de mostrar que há diferenças de modo de pensar e agir neste mundo. E que divergir, sempre com respeito à opinião alheia e, claro, sem agressão física, é saudável. Então, crianças, batam cabeça. Discutam, ponderem, argumentem, fiquem de mal, façam as pazes. Aprendam a negociar. A teoria os adultos ensinam, a prática é com vocês.
Outra situação enervante é quando estou ao telefone. Justo nesta hora a Bia precisa falar comigo. Aparecem os problemas e situações mais inusitados para eu ajudá-la a resolver, tudo para chamar a minha atenção. Quando não dá certo, simplesmente começa a cantar ou mesmo dançar e pular em volta. Ou pede para falar com a pessoa com a qual estou conversando. Oi? Sinto muita falta de um parceiro nessas horas. Um contraponto que divida a responsabilidade exaustiva de colocá-la nos eixos. “Hei, você não está vendo que a sua mãe está ocupada?”, uma voz ativa, imperativa. E que não seja a minha.
Mas o mito do filho único exigente, exclusivista, egocêntrico há muito caiu por terra. O que faz uma criança ficar mimada não é o fato de não ter irmãos para brincar, mas a educação que recebe dos pais, avós e responsáveis. Numa família numerosa, o caçula pode ser mimado, o primogênito ter regalias e ser o “eleito” da prole, a menina ser a preferida e ganhar mais mimos. Então, quantidade não é qualidade.
Em uma entrevista à revista IstoÉ, a psicanalista Diana Corso destacou outro ponto importante: cada vez mais os pais prezam seus interesses pessoais. “O filho único acaba tendo que dividir seus pais com outras prioridades da vida deles. Então, ele já não é tão soberano assim”, disse Corso. Eu vejo isso acontecer aqui em casa. Procuro manter uma vida adulta, onde resgato meu lado mulher, independente do universo “mãe”. É difícil achar tempo, mas quando consigo, saio com amigas, trabalho, viajo sozinha, deixo bem claro para a Bia que o fato de eu me amar não quer dizer que não a ame. E que preciso ter momentos só meus de vez em quando.
Então se filho único mimado é produto do meio, é inevitável a pergunta: onde estou errando? Ou, para ser mais positiva: como posso acertar? Quando a Bia não respeita as combinações, a culpa é dela ou minha? E no futuro, de quem será? Como dosar autoridade sem autoritarismo? Como dar-lhe toda a atenção e o amor de que necessita sem que ache que o mundo lhe deve isso pelo simples fato de existir? Como fazê-la se sentir especial sem que pense que é mais importante do que os outros? São questões que rondam meus pensamentos feito nuvens.
É preciso deixar nossos filhos errarem mais, tirarem as próprias conclusões e sofrerem as consequências boas e ruins. Os limites devem ser claros, os deveres cumpridos, as responsabilidades delegadas. Os exemplos dados. Tento, sinceramente e com muito empenho, colocar em prática tudo isso. E é frustrante quando não dá certo, quando a Bia se recusa a crescer e não faz a parte dela. Me doem as entranhas, tenho vontade de me rasgar ao meio. Mas sigo tentando.
Meu erro é desejar o imediatismo. E resultado imediato não existe. Únicos ou numerosos, educar filhos requer repetição à exaustão. Não uma, duas ou vinte vezes, isso multiplicado ao cubo. Por dia, por mês, por ano. Repetir orientações, valores, gestos de paciência e de amor. É uma missão sem fim. Talvez o resultado final dependa mais do quanto estamos dispostos e somos capazes de assumir tal missão de forma madura. E não nos comportarmos, nós mesmos, como crianças mimadas.
Um comentário:
Cher, tudo bom?a quanto tempo não nos falamos.Muito bom te ver.Beijos no coração.Leomária Mendes Sobrinho
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