Malhação do Judas. Quem lembra?
Como em outras cidades brasileiras, tradição vai diminuindo a cada ano
Costume trazido pelos portugueses e espanhóis para toda a América Latina, a malhação do Judas no sábado de Aleluia aos poucos vai desaparecendo das grandes cidades, restringindo-se cada vez mais ao interior do Brasil. Já em 1978 essa tendência era registrada em Santos, em matéria publicada pelo editor de Novo Milênio, então no jornal A Tribuna, no dia 25 de março de 1978 (um sábado de Aleluia), com a contribuição do setor de pesquisa do jornal:
Foto: jornal A Tribuna de Santos, 25/3/1979
O folclore e as tradições que nos centros urbanos o progresso faz desaparecer, ainda podem ser encontrados nos morros e em alguns pontos onde foi preservado o espírito comunitário. Assim, conforme vai diminuindo o número de locais de malhação do Judas na planície santista, os morros vão se sobressaindo como centros de preservação da cultura e dos costumes populares.
Apenas um Judas foi visto ontem na rua: numa alusão às enchentes, o boneco tinha uma bóia do lado, terno, gravata, anel, dentadura, lenço, chapéu, óculos escuros, peruca e um cartaz mostrava a cidade inundada, enquanto uma garotinha gritava por socorro sobre o telhado de uma casa. O boneco foi confeccionado pelos moradores do Edifício Vila Rica e será malhado hoje, após as 23h30, na esquina da Av. Washington Luís com a Rua Galeão Carvalhal.
Enquanto isso é feito na zona rica da Cidade, a zona pobre (morros) também contribui para preservar a tradição. No Largo do Machado, no Morro de São Bento, crianças e adultos estão terminando a confecção de um Judas, com camisa de malha marrom e jardineira azul por cima, cabeça de pano, pintada, nenhum cartaz, crítica ou ironia. Hoje, ele sairá da casa de José Gonçalves Quinta, na Rua Santa Madalena, 375, para ser malhado no largo, ao meio-dia.
Esse não é um Judas político ou manda-chuva: apenas um boneco representando Judas Iscariotes, o personagem bíblico que traiu Cristo com um beijo. Um boneco que hoje as crianças irão malhar e queimar, dando, sem saber, continuidade a uma tradição secular.
Foto: jornal A Tribuna de Santos, 26/3/1979
(Pesquisa A Tribuna)
Malhar o Judas é uma prática ainda muito comum no Brasil, apesar de o costume praticamente ter sido banido das grandes cidades por falta de locais adequados e dos perigos que representa. No interior, entretanto, a tradição continua viva, e os bonecos de palha ou de pano, pendurados em postes de iluminação pública e galhos de árvores, são rasgados e queimados no sábado de Aleluia.Tradição popularíssima na Península Ibérica, radicou-se em toda a América Latina desde os primeiros séculos da colonização européia. No Rio de Janeiro oitocentista, os judas - com fogo de artifício no ventre - apareciam conjugados com demônios, ardendo todos numa apoteose multicolorida que o povo aplaudia.
O Judas queimado é uma personalização das forças do mal e constitui vestígio de cultos agrários, em muitas partes do mundo. Vários historiadores registraram o uso, quase universal, de festas de alegria no início e fim das colheitas, para obter melhores resultados nos trabalhos do campo.
Queima-se um manequim representando o deus da vegetação. Pela magia simpática, o fogo é o sol e o processo se destina a garantir às árvores e plantações o calor e a luz indispensáveis, submetendo a figura ao poder das chamas. O sacrifício do mau apóstolo é, então, uma convergência de tradições vivas no trabalho agrícola.
No Brasil, é costume antigo fazer-se o julgamento de Judas, sua condenação e execução. Antes do suplício, alguém lê o "testamento" de Judas, em versos, colocado especialmente no bolso do boneco. O testamento é uma sátira das pessoas e coisas locais, com graça oportuna e humorística para quem pode identificar as figuras alvejadas.
Judas, apóstolo traidor, cognominado Iscariotes por ser oriundo de Carioth, cidade ao Sul de Judá, já um ano antes da Paixão de Jesus tinha perdido a fé no Mestre, mas continuava a acompanhá-lo por comodidade e para ir furtando do que ofereciam aos apóstolos.
Obcecado pelo dinheiro, antes de se afastar de Cristo, resolveu entender-se com os sinedritas - membros do Sinédrio, conselho supremo dos judeus -. Judas assistiu ainda à última ceia, em que Jesus revelou a sua traição, mas foi logo ao encontro dos inimigos de Cristo para cumprir o que tinha combinado e receber 30 dinheiros. Consumada a traição, arrependeu-se, quis restituir o dinheiro, mas, repelido pelos sacerdotes, enforcou-se numa corda.
http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0116.htm
Como funciona a malhação do Judas
Origem e tradição da malhação do Judas
Todo ano, na rua dos Lavapés, no bairro do Cambuci, um dos redutos da imigração italiana em São Paulo, centenas de moradores se reúnem para destroçar simbolicamente, sem dó nem piedade, o pior malfeitor do ano. O alvo retratado em um boneco de pano recheado de serragem, e pendurado como se tivesse sido enforcado em algum poste da rua, leva pauladas, chutes e, no fim, é queimado por uma multidão exultante. Há um bom tempo, os políticos brasileiros têm sido a figura preferida para ser retratada no boneco como alvo da fúria da população. E eles têm dado inúmeros motivos para esse grau de insatisfação popular, que é extravasada, como que num recado direto a eles, no chamado sábado de Aleluia, que na tradição católica acontece entre a Sexta-Feira Santa e o domingo de Páscoa.
Populares destroçam o Judas, retratado como um político, com as mãos |
Esse ritual chamado de malhação do Judas sobrevive não só na tradição paulistana, mas também em vários outros locais do Brasil. A brincadeira chegou ao país junto com a colonização portuguesa. Ela representa o julgamento popular contra Judas Iscariotes, um dos apóstolos que teriam acompanhado Jesus Cristo. Judas teria traído Jesus e o entregue ao Sinédrio, conselho supremo e representação dos judeus perante os romanos, em troca de dinheiro. Por conta desse episódio relatado no Novo Testamento, as populações seguidoras da fé católica adotaram o ritual de na semana da Paixão de Cristo fazer simbolicamente o julgamento, a condenação e a execução de Judas, o traidor. Na tradição popular, antes da “execução” dele, é lido o "testamento" de Judas, que escrito em versos é colocado no bolso do boneco e traz sátiras às pessoas e a fatos locais.
Assim como várias outras tradições do catolicismo, a malhação do Judas tem sua inspiração, segundo alguns historiadores, em antigos rituais pagãos. Desde séculos antes de Cristo, celebrações no início do cultivo e ao final das colheitas faziam parte de cultos agrários que buscavam garantir bons resultados no campo. Um boneco feito de palha representaria o “deus da plantação” e o fogo seria o sol. Ao queimar o boneco, acreditava-se estar submetendo o “deus da plantação” ao poder do sol e garantindo com isso a luz e o calor necessários para os cultivos.
Outras versões, como a do professor especialista em folclore brasileiro Ático Vilas-Boas da Mota, em “Queimação de Judas: catarismo, inquisição e Judas no folclore brasileiro”, relacionam a tradição à Inquisição e à perseguição aos judeus na Idade Média. Segundo Mota, os acusados de heresias que conseguiam fugir, escapando do processo inquisitório comandado pela Igreja Católica, eram substituídos por bonecos queimados em praça pública. Para ele, essa consagração do ritual da queima do Judas seria o resultado do poder da Igreja Católica no período inquisitorial para incutir na população ódios e preconceitos, inclusive contra os judeus que representariam todo o mal.
Assim como várias outras tradições do catolicismo, a malhação do Judas tem sua inspiração, segundo alguns historiadores, em antigos rituais pagãos. Desde séculos antes de Cristo, celebrações no início do cultivo e ao final das colheitas faziam parte de cultos agrários que buscavam garantir bons resultados no campo. Um boneco feito de palha representaria o “deus da plantação” e o fogo seria o sol. Ao queimar o boneco, acreditava-se estar submetendo o “deus da plantação” ao poder do sol e garantindo com isso a luz e o calor necessários para os cultivos.
Outras versões, como a do professor especialista em folclore brasileiro Ático Vilas-Boas da Mota, em “Queimação de Judas: catarismo, inquisição e Judas no folclore brasileiro”, relacionam a tradição à Inquisição e à perseguição aos judeus na Idade Média. Segundo Mota, os acusados de heresias que conseguiam fugir, escapando do processo inquisitório comandado pela Igreja Católica, eram substituídos por bonecos queimados em praça pública. Para ele, essa consagração do ritual da queima do Judas seria o resultado do poder da Igreja Católica no período inquisitorial para incutir na população ódios e preconceitos, inclusive contra os judeus que representariam todo o mal.
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