Affonso Romano de Sant'Anna
Primavera
no deserto de Gobi, sul da Mongólia.
Uma família de pastores nômades assiste ao nascimento de
filhotes de camelo.
A rotina é quebrada com o parto difícil de um dos
camelinhos albinos.
A mãe, então, o rejeita.
O filho ali, branquinho, mal se sustentando sobre as
pernas, querendo mamar e ela fugindo, dando patadas e indo acariciar outro
filhote, enquanto o rejeitado geme e segue inutilmente a mãe na seca paisagem.
A família mongol e vizinha tenta forçar a mãe camela a
alimentar o filho. Em vão.
Só
há uma solução,
diz alguém da família. Mandar chamar o músico.E o milagre
começou musicalmente a acontecer.
Dois meninos montam agilmente seus camelos, numa
aventura até uma vila próxima,tentando
encontrar o músico.
É uma vila pobre, mas já com coisas da modernidade, motos,
televisão, e, na escola de música, dentro daquele deserto, jovens tocam
instrumentos e dançam, como se a arte brotasse lindamente das pedras.
O professor de música, qual um médico de aldeia chamado
para uma emergência, viaja com seu instrumento de arco e cordas para tentar
resolver a questão da rejeição materna.
Chega. E ali no descampado, primeiro coloca o instrumento
com uma bela fita azul sobre o dorso da mãe camela. A família mongol assiste à
cena.
Um vento suave começa a tanger as cordas do instrumento. A
natureza por si mesma harpeja sua harmônica sabedoria. A
camela percebe. Todos os camelos percebem uma música reordenando
suavemente os sentidos.
Erguem a cabeça, aguçam os ouvidos e esperam. A
seguir, o músico retoma seu instrumento e começa a tocá-lo. A
dona da camela afaga o animal e canta.
E, enquanto cordas e voz soam, a mãe
camela começa a acolher o filhote, empurrando-o docemente para suas tetas. E
o filhote, antes rejeitado e infeliz, vem e mama,
mama, desesperadamente feliz.
Enquanto se alimenta e a música continua, acontece
então um fato impressionante.
Lágrimas desbordam umas após outras dos olhos da mãe
camela, dando sinais de que a natureza se reencontrou a si mesma, a rejeição
foi superada, o afeto reuniu num todo amoroso os apartados elementos.
* * *
Nós,
humanos, na plateia, olhamos estarrecidos. Maravilhados. Os mongóis em
cena constatam apenas mais um exercício de sua milenar sabedoria.
E nós, que perdemos o contato com o micro e o
macrocosmos, ficamos pasmos com nossa ignorância de
coisas tão simples e essenciais.
Os antigos falavam da terapêutica musical. Casos de
instrumentos que abrandavam a fúria, curavam a surdez, a hipocondria e saravam
até a mania de perseguição.
O pensamento místico hindu dizia que a vida se
consubstancia no Universo com o primeiro som audível - um ré bemol - e que a
palavra só surgiria mais tarde.
E nós, da era da tecnologia, da comunicação instantânea,
dos avanços científicos jamais sonhados... E nós? O que sabemos dessas coisas?
Coisas que os camelos já sabem, que os
mongóis já vivem. Coisas dos sentimentos, coisas do
coração. O que sabemos nós?
Será que sabíamos que os camelos também choram?
Redação do Momento Espírita com base em crônica de Affonso
Romano de Sant´anna, encontrada no
http://acaodopensamento.blogspot.com.
Em 25.04.2011.
http://acaodopensamento.blogspot.com.
Em 25.04.2011.
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