Para lembrar dos cem anos que Vinicius faria no próximo dia 19, abrimos espaço para algumas das pessoas que melhor conheceram “o único poeta brasileiro que viveu como um poeta”, conforme escreveu Carlos Drummond de Andrade.
As próximas páginas trazem textos emocionados de seus parceiros, seus filhos, sua última mulher. Em uma ação que envolve o jornal impresso e o Portal Estadão, comentamos os 18 álbuns recém relançados de Vinicius e mapeamos algumas das melhores versões de Garota de Ipanema pelo mundo.
Toquinho, hábil com as palavras, diz um pouco do que viu e viveu nos mais de dez anos ao lado do mestre. Carlos Lyra, seu “parceirinho”, tem memórias com graça e sensibilidade. As filhas Maria e Georgiana escrevem cartas a um pai “que nunca esteve tão presente”. E Gilda Mattoso, a última de suas nove mulheres, fala de traços pouco conhecidos.
A família de Vinicius prepara para o dia 19 o lançamento de um portal com todo o material produzido por e sobre ele. Poemas, músicas, partituras, fotos, vídeos. Os Moraes, enfim, abrem a arca de um homem que jamais cansou de procurar o amor em todas as coisas.
Gilda Mattoso
ESPECIAL PARA O ESTADO
Parece mentira que Vinicius faria 100 anos nesse 2013 já que era um espírito de extrema jovialidade. Quando nos casamos em Paris, 1978, todas as pessoas se assustavam com nossa diferença de idade de quase 40 anos, menos eu, que o achava muito sem juízo mas também reconhecia que seu charme estava justamente aí. Vinicius se jogava na vida, corria riscos imensos, sempre destemido e em busca do amor perfeito!
Largava tudo pra trás e se atirava em um novo amor. Eu sempre mais ponderada apesar da tenra idade que tinha até mesmo quando ele morreu e me deixou viúva aos 28 anos! Desde muito menina, eu era admiradora dele, de sua poesia, de suas canções, e chegava a dizer, quando ele aparecia em jornais, revistas ou TV: “Quando me casar quero que seja com um homem como este”, provocando espanto em minha mãe, que retrucava: “Vira essa boca pra outro lado, este homem, embora excelente poeta (ela própria era poeta amadora) é um beberrão, destruidor de lares!!”
Minha mãe também terminou sucumbindo ao charme dele (ela fazia até docinhos com adoçante para ele, que era diabético). Para surpresa geral, e até minha, esse homem se apaixonou por mim e eu por ele e vivemos felizes e intensamente os poucos anos que o destino nos reservara.
Fico pensando em como Vinicius estaria hoje com 100 anos e pensando nele nesse Brasil devastado pela corrupção e pelos políticos medíocres. Ele, pouco antes de morrer, fazia seu quadro de políticos de sonhos: Presidente da República: Jaime Lerner; Ministro da Cultura: Sergio Buarque de Hollanda; Ministro das Relações Exteriores: Otto Lara Resende; Ministro da Saúde: Clementino Fraga Filho ou Paulo Niemeyer... e por aí ia. Todos esses grandes nomes eram amigos dele mas, acima de tudo, grandes brasileiros.
Ele ficava horas na banheira onde, aliás, veio a falecer, pensando nisso e em outros sonhos, como a cura da diabetes (enfermidade que acabou por matá-lo por outras vias), a justiça entre os homens, o fim da desigualdade social brasileira... enfim, foi um grande brasileiro que levou o nome do Brasil para todos os lugares do mundo por onde passou, com sua música e sua poesia inesquecíveis.
Às vezes, quando via meus amigos Enrica e Michelangelo Antonioni, que tinham quase a mesma diferença de idade que a nossa, ficava com inveja e pensava em como você teria ficado, já mais velho, e achava que teríamos uma relação parecida com a do casal italiano.
Tem 2 traços na personalidade de Vinicius que me fascinavam: primeiro, a generosidade. Ele foi o ser mais generoso que conheci e dizia que a coisa pior do mundo era a avareza, que perdia só para a grosseria que ele abominava. Dizia que quem era mesquinho com coisas materiais também o era com os sentimentos. O segundo traço era o senso de humor. Ele também dizia que, em certas situações, ele preferia uma pessoa sem caráter a uma pessoa sem senso de humor! Por vezes, estou nas minhas caminhadas na Lagoa e me vem a canção que ele e Toquinho fizeram e que cantavam nas infinitas turnês que fizeram pelo Brasil e que dizia:
¨Nós vamos pelas rotas do Brasil / nós somos os quatro mosqueteiros musicais / cantamos com empenho varonil / prás meninas, coroas e mocinhas virginais / nós somos Athos, Portos, Aramis e D’Artagnan / vivemos uma vida bem feliz e folgazã / os quatro mosqueteiros musicais / Azeitona*, Mutinho* Toquinho / e o Vinicius.... e o Vinicius.... e o Vinicius de Moraes!”
*Azeitona era baixista e
Mutinho baterista da banda
que acompanhava eles.
Cem anos de Vinícius de Moraes
Nascido em 19 de outubro de 1913, no Rio de Janeiro, Vinícius de Moraes foi músico, compositor, jornalista, dramaturgo, diplomata, escritor e poeta.
O “poetinha”, como foi apelidado por Tom Jobim, escreveu seus primeiros versos enquanto ainda estava na escola. Também durante o período letivo, fez parte do coral do Colégio Santo Inácio e montou pequenas peças teatrais.
Através do contato com os irmãos Haroldo e Paulo Tapajós, começou sua carreira de compositor, em meados dos anos 1920. Em 1929, ingressou na Faculdade de Direito do Catete, aonde conheceu o romancista Otavio Farias, que o incentivou à produção literária. Até o dia de sua morte, em oito de julho de 1980, foram registrados 18 livros e mais de 450 poesias sob a autoria de Vinícius.
Como músico, escreveu mais de 300 canções, entre composições próprias e parcerias com grandes nomes da música popular brasileira, como Tom Jobim (com quem escreveu “Garota de Ipanema”, “Eu sei que vou te amar”, “Chega de Saudade”, entre outras), Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque, Dorival Caymmi,Carlos Lyra, entre outros.
Além disso, trabalhou como jornalista, tornando-se crítico de cinema do jornal “A Manhã” e colaborando para a revista “Clima”, em 1941, e idealizando a revista “Filme”, lançada em 1947, em sociedade com o crítico e cineasta, Alex Vianny. Vinícius também atuou como diplomata por alguns anos. Em sua segunda tentativa, foi aprovado no concurso para o Ministério das Relações Exteriores, em 1943, mudando-se primeiramente para Los Angeles (EUA) e depois para Paris (França) e Roma (Itália).
Como dramaturgo, Vinícius escreveu as peças “As Feras”, “Cordélia e o Peregrino”, “Orfeu da Conceição” e “Procura-se uma Rosa”, inspirada em uma notícia veiculada na imprensa carioca, que abordava a história de uma mulher que se perdeu do marido em uma estação de trem e nunca mais voltou.
Mas foi para a música que Vinícius viveu os últimos tempos de sua vida, excursionando pelo mundo todo ao lado de seus companheiros e de sua garrafa preferida de whisky. Suas canções foram traduzidas para diversos idiomas e são tocadas até hoje no Brasil e em vários outros países.
Tudo que se escrever sobre Vinícius de Moraes parece pouco e defini-lo beira o impossível. Manuel Bandeira disse que ele “tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas) e, finalmente, homem bem do seu tempo, a liberdade, a licença, o esplêndido cinismo dos modernos” (citado por Flávio Pinheiro, no site oficial do poeta, www.viniciusdemoraes.com.br). A perplexidade poética expressa em seu poema “Fim” permanece viva e é a de todos nós:
Será que cheguei ao fim de todos os caminhos
E só resta a possibilidade de permanecer?
Será a Verdade apenas um incentivo à caminhada
Ou será ela a própria caminhada?
Terão mentido os que surgiram da treva e gritaram – Espírito!
E gritaram – Coragem!
Rasgarei as mãos nas pedras da enorme muralha
Que fecha tudo à libertação?
Lançarei meu corpo à vala comum dos falidos
Ou cairei lutando contra o impossível que antolha-me os passos
Apenas pela glória de tombar lutando?
Será que eu cheguei ao fim de todos os caminhos…
Ao fim de todos os caminhos?
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