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terça-feira, 25 de outubro de 2016

SÃO PAULO ANTIGA... As porteiras do Brás

As porteiras do Brás

É público e notório que no Brasil os governantes nem sempre atendem aos anseios da população. E isso evidentemente acontece do Oiapoque ao Chuí. Em São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, existem problemas urgentes que demoram anos para serem resolvidos.
Contudo, parece que nada em nossa cidade demorou tanto tempo para ser resolvido por aqui como o caso das famosas “Porteiras do Brás”.
Também chamadas no passado pela imprensa e população de “Porteiras da Ingleza” em referência a ferrovia São Paulo Railway, elas são um problema da cidade desde que a ferrovia foi criada, ainda no século 19. De início atrapalhava pouco, uma vez que a cidade ainda era pequena e o “além da porteira” nos bairros como Penha, Brás, São Miguel Paulista eram arrabaldes distantes.
fig.1

Os problemas relacionados com as porteiras começaram a surgir nos últimos anos do  século 19, à medida que bairros como Mooca e Brás, entre outros, foram crescendo e recebendo levas e levas de imigrantes.
A foto ao lado (fig.1), por exemplo, mostra o tráfego intenso de carroças e pessoas diante da então chamada Estação do Norte (posteriormente Roosevelt e atualmente Brás), em um momento em que as porteiras estavam abertas.
Mesmo aparentando ser uma travessia bastante civilizada, desde o princípio ocorriam muitos acidentes, como atropelamento de pedestres, acidentes com carroças e ânimos acirrados por conta da espera, que às vezes era demorada.
Assim, em 1884, foi quando surgiu na cidade as primeiras discussões públicas sobre questões de operação e alternativas para o funcionamento das porteiras, tanto do Brás como a da Mooca:


Correio Paulistano 16/10/1884

E se os problemas já eram bastante inconvenientes no século 19, o que dizer então nas primeiras décadas do século 20, quando a cidade já contava com automóveis, bondes eletrificados e, principalmente, mais população vivendo “além da porteira” ?
Projetos para o sonhado fim da porteira do Brás foi o que não faltou a partir dos anos 1910. Com a discussão recorrente quase que mensalmente nos jornais, não paravam de surgir ideias e sugestões. O primeiro deles a ganhar destaque na imprensa paulistana foi um feito pelo arquiteto Carlos Ekman em 1914:
No que provavelmente foi o mais ousado projeto para resolver os problemas da“porteiras do Brás”, previa a construção de um viaduto sinuoso que permitiria a circulação tanto pela avenida Rangel Pestana, como também pela própria via elevada.
A linha férrea, por sua vez, permaneceria com sua porteira, mas com a existência de um viaduto a espera deixaria de existir, tanto para pedestres quanto para bondes, carroças etc. A reurbanização da praça diante da estação daria um ar elegante e cosmopolita para o Brás.
A proposta de Ekman, como tantas outras, acabou engavetada e os problemas das porteiras seguiram aumentando a cada ano que se passava sem solução alguma à vista.
Na década de 1920, precisamente em 1926, um novo projeto foi apresentado a municipalidade:
Ao invés de uma ponte ou viaduto, seria criado um pequeno túnel sob o leito ferroviário onde ficavam as porteiras. Com esse projeto, algumas linhas de bonde iriam por cima e outras por baixo, distribuindo o fluxo de tráfego. Tal qual a ideia de Ekman, as porteiras não seriam suprimidas, mas modernizadas.
Apresentando pela extinta Sociedade Construtora de Imóveis, este projeto também foi recusado e esquecido. Continuava assim o drama das porteiras. Com isso, chegou a década de 30 e o trânsito aumentou ainda mais, deixando a região ainda mais conturbada.
Em 1934, o jornal Correio Paulistano publicou em primeira página uma reportagem sobre as porteiras do Brás ainda sem solução:


Correio Paulistano 11/08/1934

A reportagem, mesmo sendo curta, consegue dar uma boa noção de quão caótica era a situação nas porteiras, com condutores de bondes e motoristas de ônibus irritados com a demora para reabertura da passagem, muitas vezes passando 10 minutos de espera.
A nota também chama a atenção de como uma cidade com tantos “arranha-céos monolíthicos” (grafia da época) era incapaz de resolver um problema aparentemente tão simples.
Já tendo passado quase 50 anos da primeira reclamação sobre as porteiras, até piadas surgiam nos jornais da época:


13/07/1939

A primeira solução para o caos no trânsito da região ainda demoraria para acontecer. Ela veio apenas em 27 de dezembro de 1949, ocasião em que foi inaugurado o viaduto do Gasômetro.
A obra foi bastante polêmica e muito contestada na Câmara Municipal de São Paulo. Segundo vereadores de oposição, contrários ao projeto feito às pressas, o novo viaduto prestigiava apenas veículos, desprezando os pedestres, como atesta um trecho de discurso de um vereador no plenário da câmara:
O novo viaduto, existente até hoje, desafogou um pouco o trânsito mas não acabou com os problemas da travessia das porteiras na avenida Rangel Pestana.
Elas continuavam sendo um foco causador de trânsito, confusão e acidentes. As fotografias abaixo, tiradas durante o ano de 1950, apenas um ano após a inauguração do Viaduto do Gasômetro, mostra um caos tão grande na área das porteiras que nem parecia ter acontecido obra alguma:
Aguardando a abertura das porteiras (clique na foto para ampliar)


Avenida Rangel Pestana com as porteiras abertas (clique na foto para ampliar)

E continuavam a surgir projetos prometendo resolver o problema da avenida Rangel Pestana e suas porteiras. Alguns, eram bem pensados e previam um viaduto harmonioso na região.
Depois do bonito projeto de Carlos Ekman, de 1914, este foi o mais interessante projeto que surgiu:
A ideia lembra um pouco o viaduto sobre a Praça 14 Bis, na Bela Vista, com seus pontos de ônibus bastante funcionais. Projetado em 1948 pelo engenheiro Pedro de Andrade Lemos, previa a criação de um viaduto de 200 metros de comprimento com 30 de largura, além de três vão livres. O viaduto iria se chamar “Dr. Adhemar de Barros”.
Mais uma vez o projeto não foi adiante e todos os problemas persistiriam por ali até pelo menos a segunda metade da década de 60, quando mais uma vez veio à tona a discussão para resolver o imbróglio das porteiras do Brás de uma vez por todas.


Travessia da avenida Rangel Pestana em meados da década de 60

É no final de 1966 que começa a surgir aquele que seria finalmente o projeto definitivo para o fim da novela das porteiras do Brás. Bem mais pé no chão que as demais ideias anteriores, a nova proposta previa um viaduto simples e funcional e foi apresentada ao público em março de 1967:
clique na imagem para ampliar

Não é preciso dizer que a descrença quanto ao novo projeto era bem grande entre a população, afinal eram décadas de promessas sem qualquer solução. Contudo, surpreendentemente, a ideia finalmente saiu do papel e as obras da tão sonhada solução para as porteiras do Brás finalmente começaram.
Era eminente o fim de cenas lamentáveis de atraso no desenvolvimento urbano, como estas abaixo:

E foi assim que em 25 de janeiro de 1968 foi inaugurado viaduto Alberto Marino. A ocasião foi tão aguardada pelos moradores e comerciantes da região que uma grande festa de inauguração foi preparada para a data, que também era alusiva ao aniversário de São Paulo.
A grande festa contou com decoração das ruas próximas e da avenida Rangel Pestana com réplicas de lampiões de 1900, dezenas de pombos brancos foram libertos na hora da inauguração, além de salva de fogos de artifícios (imaginem os pombos sendo soltos e os fogos sendo disparados, o desespero das aves…), além de uma divertida corrida de calhambeques, com veículos produzidos até 1929.
A inauguração também contou com a execução da canção “Rapaziada do Brás”composta por Alberto Marino, que dá nome ao viaduto.
Viaduto Alberto Marino então recém inaugurado

Era o fim de uma angustiante espera por solução de um problema que começou no final do século 19 e foi resolvida apenas na segunda metade do século 20.
O novo viaduto resolveu definitivamente o problema da travessia da antiga porteira do Brás, porém não foi nem de longe a melhor solução.
A nova via elevada contribuiu bastante para a degradação do entorno e trouxe a decadência de inúmeros imóveis ali localizados, inclusive de hotéis que no passado recebiam de migrantes a clubes de futebol de outras cidades. Na rede hoteleira local a principal vítima foi, sem dúvida, o velho Hotel Sul América:


Hotel Sul América em 2005 (clique na foto para ampliar)

 Resolvido o problema, é difícil conceber que um problema relativamente simples de ser resolvido como este levou quase um século para ser solucionado. Apenas a título de curiosidade e salva as devidas proporções, os Estados Unidos levaram 10 anos para concluir o Canal do Panamá.
Tem definitivamente algo errado com o poder público brasileiro e não é de hoje.
Você vivenciou as porteiras do Brás ? Do que você se recorda ? Deixe um comentário.
http://www.saopauloantiga.com.br/as-porteiras-do-bras/

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