Angkor Wat (ou Angkor Vat) é um templo situado 5,5 km a norte da atual Siem Reap, na província homônima do Camboja. É o maior e mais bem preservado templo dos que
integram o assentamento de Angkor. É também o único que restou com
importante significado religioso inicialmente hindu,
e depois Budista desde a sua fundação.
O templo é o ponto máximo do estilo clássico da arquitetura Khmer.
É considerado como a maior estrutura religiosa alguma vez construída,[1] e um dos tesouros arqueológicos mais importantes
do mundo.
Angkor Wat faz parte do complexo de
templos construídos na zona de Angkor, a antiga capital do Império khmer durante a sua época de esplendor, entre os
séculos IX e XV. Angkor abrange uma extensão em torno dos 200 km², embora
recentes pesquisas estimem uma extensão de 3 000 km² e uma população de até
meio milhão de habitantes, o que o tornaria no maior assentamento
pré-industrial da humanidade.[2]
Foi construído pelo rei Suryavarman II, no começo do século XII, como o seu templo central e capital do Estado.
Desde a sua construção, e até o translado da sede real ao próximo Bayon,
em finais do mesmo século, Angkor Wat foi o centro político e religioso do
império. O recinto entre cujos muros se calculou que viviam 20 000 pessoas,[3] cumpria as funções de templo principal e, além
disso, albergava o palácio real.
Dedicado inicialmente ao deus Vixnu,[4] arquitetonicamente o templo combina a tipologia hinduísta do templo-monte representando o Monte Meru, morada dos deuses com a tipologia de galerias
própria de períodos posteriores. O templo consta de três recintos retangulares
concêntricos de altura crescente, rodeados por um lago perimetral de 3,6 km de comprimento e de
uma largura de 200 m .
No recinto interior erguem-se cinco torres em forma de loto,
atingindo a torre central uma altura de 42 m sobre o santuário,[5] e 65
m sobre o nível do solo.[6]
Tornou-se símbolo do Camboja, aparecendo
em sua bandeira e sendo sua principal atração turística. A 14 de dezembro de 1992 foi declarado pela UNESCO Patrimônio da Humanidade.[7]
A palavra Angkor vêm do cambojano នគរ Nokor, e pela sua vez da voz sânscrito नगरNagara que significa
"capital", enquanto a palavra Wat é de origem khmer e traduz-se como "templo". O nome de
Angkor Wat é em todo caso posterior à sua criação, pois originalmente recebeu o
nome de Preah Pisnulok; nome póstumo do seu fundador Suryavarman II.[8]
Angkor Wat na bandeira do Camboja.
Os monges de Angkor Wat foram os únicos que permaneceram durante os séculos do abandono.
História
Angkor Wat é o máximo expoente da arquitetura do Império khmer, cujos primeiros templos
remontam ao século VI.[9] O
promotor deste gigantesco monte-templo foi Suryavarman II, que reinou de 1113 até 1150 d.C. Suryavarman II alcançou o poder
após assassinar o então rei Dharanindravarman, saltando sobre ele enquanto o
monarca passeava no seu elefante, pelo qual alguns historiadores opinam que as
colossais dimensões deste templo estão motivadas em parte pelo desejo de
contra-arrestar a aparente ilegitimidade do seu reinado.[10]
Segundo conta a lenda, o rei quis situar o
templo num local do agrado dos deuses, pelo qual soltou um boi na planície e
resolveu construir o templo ali onde se tumbasse.[1] Seja
certa a lenda ou não, Suryavarman II estabeleceu o templo junto à antiga cidade
deYashodharapura[11] (que
em sânscrito significa
"cidade sagra"),[12] situada
a escassos quilômetros da atual cidade de Siem Reap, e assim como os seus predecessores,
dispôs o palácio dentro do recinto murado do complexo. Os trabalhos no templo
ficaram interrompidos à morte do rei e não foram continuados, pelo qual a
construção do complexo durou unicamente 37 anos.[9]
Em 1177 Angkor foi saqueada pelos Cham, um povo situado no atual Vietnã[13] e
inimigo tradicional dos khmer. Poucos anos depois, com o advento do rei Jayavarman VII os invasores foram expulsos e as
fronteiras do império ampliadas. Este importante rei, cujo reinado se estendeu
de 1181 a
1220 d.C.,[14] abandonou
o hinduísmo e converteu-se ao budismo do ramo Mahāyāna,[13]estabelecendo a nova capital no
vizinho Angkor Thom, com Bayon como novo templo.
No fim do século XIII, o rei Jayavarman
VIII retornou às
crenças hinduístas, destruindo parte do legado de Jayavarman VII e melhorando
alguns templos hinduístas, incluído Angkor Wat.[15] A
Jayavarman VIII foi sucedido por Srindravarman em 1295: este novo rei, que nos anos
anteriores fora ordenado monge budista em Sri Lanka, mudou novamente a religião do
império para o budismo, embora adotando esta vez as crenças do ramo Teravada.[16] Entre
os séculos XIV e XV, o Império khmer viu chegar do Sri Lanka os
primeiros monges budistas Teravadas, que transformariam os templos para a nova
religião. O templo de Angkor Wat foi entao remodelado para se adaptar ao culto
budista Teravada,[15] fatos
que aconteceram pouco antes do abandono final de Angkor.
Fotografia de Angkor, tomada em 1866 por Emile Gsell.
Apesar da decadência do império e do abandono
dos templos durante os séculos seguintes, os monges budistas permaneceram em
Angkor Wat até ser redescoberto pelos franceses. Nas galerias do Preah Poan uma galeria cruciforme que serve de
entrada para o terceiro recinto do templo encontraram-se estátuas de Buda de
madeira, pedra e metal. Algumas destas esculturas foram datadas entre os
séculos XVI e XVIII, o qual confirma que o templo de Angkor, ao contrário que
outros da zona, nunca foi abandonado. Também a aparição de inscrições em
idiomas como o birmano ou japonês[4] permitem
inferir a repercussão do templo para além das fronteiras cambojanas.
Não se conhecem com certeza as razões pelas
quais Angkor foi abandonada: uma das mais prováveis foi a decadência do Império khmer, nomeadamente por causa das
incursões mongóis (1283)[13] e
siamesas (entre 1369 e 1431),[17] que
evidenciaram a excessiva cercania da capital a respeito dos invasores, pelo
qual os governantes puderam determinar a procura de um sítio mais seguro a sul
do lago Tonlé Sap, nas zonas próximas às atuais
cidades de Phnom Penh e Udong.
Além disso, a cercania destes novos locais ao delta e ao Mar da China dotava-os
de uma melhor situação estratégica para o comércio e o intercâmbio marítimo,
tão importante numa região na que o transporte por terra praticamente ficava
interrompido à época de chuvas. Argumenta-se também a possibilidade de
epidemias ou fome (motivadas talvez pela pequena Idade do Gelo experimentada na Idade Média),[18] que
obrigaram a monarquia a movimentar o seu trono para sul. Em qualquer caso,
Angkor foi abandonada em 1432,
e a nova capital estabelecida em Lovek,
perto da atual Phnom Penh.
Porém, Angkor foi novamente habitada na segunda
metade do século XVI: em 1550,
o rei Ang Chan (1516–1566) deslocou-se para Angkor Thom, embora mantivesse a
capital em Lovek, e uns anos depois, em 1576, o rei Satha transladou novamente
a corte para Angkor.[19] Como
consequência disso diversas tarefas de restauração foramrealizadas em Angkor
Wat, das quais fica constância numa inscrição de 1577.[19] Contudo,
esta nova ocupação de Angkor durou pouco, pois em 1594 os siameses conquistaram
o débil império cambojano, e Angkor foi abandonada definitivamente.[13]
Descobrimento no ocidente
Após o seu abandono em finais do século XVI,
Angkor ficou sepultada pela selva, com a única exceção do templo de Angkor Wat,
que permaneceu habitado por monges budistas.
Restauração
Recinto exterior
Templo central
Ainda persiste a lenda de que Angkor Wat caiu no
olvido até ser redescoberto em finais do século XIX pelo naturalista francês Henri
Mouhot, quem se topou com o templo acidentalmente enquanto caçava
borboletas.[20][1] Esta
história é um mito, pois Mouhot não foi o primeiro ocidental a visitar o
templo, e este nunca foi completamente abandonado, permanecendo na memória
coletiva do povo khmer e até mesmo transcendendo as fronteiras do seu império.
A primeira visita documentada de um ocidental a Angkor Wat aconteceu em 1586,
e foi realizada pelo freire capuchinho português António da Madalena.[21] As
impressões do freire foram recolhidas por um funcionário público e historiador
português chamado Diogo do Couto,[22][23] quem
deixá-las-ia por escrito:[21][24]
O plano mais antigo
conservado de Angkor Wat (século XVII).
"... uma construção de tal modo
extraordinária que não é possível descreve-la por escrito, especialmente é
diferente de qualquer outro edifício no mundo. Possui torres, decoração e
todos os refinamentos que o gênio humano pode conceber"
Após esta visita, outros pioneiros europeus, especialmente espanhóis e portugueses,[22]continuaram visitando as ruínas, embora sem ter repercussão pública.[25] Também se tem registro de uma carta de 1668 na que um freire francês de nome Chevreul menciona o local. O templo também recebeu visitas do oriente: o mapa mais antigo de Angkor Wat, datado entre 1623 e 1636, foi obra de um peregrino japonês[23] de nome Kenryo Shimano.[26]
Em 1857, o missionário francês Charles Emile Bouillevaux foi o primeiro a deixar constância "moderna" da visita de um ocidental a Angkor Wat, ao publicar no seu livro Viaje a Indochina 1848–1856, os Annam e Camboja, uma breve resenha sobre a visita realizada ao templo em1850.[23] Mas não seria até 1860, que um compatriota seu, o naturalista e explorador Henri Mouhot, conseguiu por fim atrair a atenção popular para Angkor. Após uma viagem financiada pela Royal Geographical Society e a Zoological Society of London ,[1] os desenhos e a apaixonada descrição do templo registrados nos cadernos da viagem deste naturalista foram publicados postumamente em Paris em 1868, com o nome de "Voyage dans les royaumes de Siam, de Cambodge de Laos"[1] (Viagem aos reinos do Sião, do Camboja e do Laos). Nas suas observações, o francês exaltava a beleza e magnificência do templo:
"Um desses templos rival do de Salomão, e erigido por algum antigo Michelangelo, poderia ocupar um honorável lugar entre os nossos edifícios mais belos. É maior do que qualquer do nossos legados de Grécia e Roma, e apresenta um triste contraste com o estado de barbárie em que agora se encontra sumida a nação ."
Em 1863, entre a visita de Mouhot e a publicação dos seus cadernos de viagem, Camboja tornou-se protetorado francês, e vários grupos de exploradores chegaram a Angkor: um dos primeiros foi o fotógrafo escocês John Thomson, que trabalhou também para aRoyal Geographical Society, e que após ler as crônicas de Mouhot decidiu visitar Angkor. Em 1866 realizou uma série de cinquenta fotografias, especialmente de Angkor Wat, publicadas um ano depois.[27] Estas fotos, com o Livro de Mouhot, lançaram definitivamente à fama o templo de Angkor Wat, enquanto o número de viajantes e exploradores que arribavam em Angkor seguiu em aumento.
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Restauração
Vista aérea do complexo
atualmente
Em 1898 foi fundada a École Française d'Extrême-Orient visando estudar o patrimônio artístico
da Indochina sob
domínio francês. Em 1907 o Sião (a
atual Tailândia) cedeu vários territórios ao Camboja,
entre os quais se encontra a zona de Angkor. A partir deste fato a conservação
dos monumentos passou a ser responsabilidade da École, a qual, um ano depois,
iniciou os trabalhos de conservação.[25] A
tarefa foi encomendada a um militar e administrativo francês chamado Jean
Commaille, que entre 1908 e 1910 decidiu concentrar os esforços em Angkor Wat.[28] Após
o assassinato de Commaille em 1916, foi sucedido pelo arquiteto Henri Marchal,
já um verdadeiro técnico, que levou a Angkor o método da anastilose,
aprendido dos holandeses durante uma viagem a Java na década de 1930.
Marchal foi sucedido por Maurice
Glaize em 1937 e por
outros mais tarde,[29] até
os trabalhos de restauração da École serem interrompidos na década de 1970 pela devastadora revolução dos Khmer Vermelho.[13]
Em 1993, um ano depois da declaração de Angkor
como Patrimônio da humanidade,
e por causa de uma conferência intergovernamental em Tóquio, um Comitê de Coordenação Internacional
foi estabelecido para restaurar e preservar o patrimônio de Angkor.
Paralelamente, o governo cambojano criou a APSARA (Autoridade para a gestão e proteção de
Angkor e a região de Siem Reap) com o objetivo de obter o status permanente de Patrimônio da humanidade por parte da UNESCO; um status que se
conseguiu em 1995.[30]
Diversas equipas internacionais interverem ou
ainda continuam as trabalhos de restauração no templo, destacando-se as
restaurações da esquina norte do muro oeste (iniciada em 1995)[31] e
da biblioteca norte.[32]
Bem como em outros templos de Angkor, a maioria
das trabalhos de restauração são levados a cabo mediante o método da
"reintegração" ou anastilose;[17] um
processo de reconstrução consistente em recolocar as peças originais
derrubadas, ou em alguns casos até mesmo elaborar novamente as peças faltantes desde quando exista informação suficiente para o fazer fielmente. Outra
técnica utilizada consiste em desmontar peça por peça o monumento para proceder
à sua limpeza ou à sua consolidação, para posteriormente restituí-lo ao seu
estado original.
Uma das
"bibliotecas". Apesar do nome, não se tem certeza sobre a função
original destes edifícios.
Porém, os trabalhos de restauração nem sempre
foram os mais adequados: entre 1986 e 1992 o Levantamento
Arqueológico da Índia manteve
um projeto para retirar toda a vegetação, musgo e líquenes das pedras.[33] Nesta
limpeza, a equipa indiana empregou alguns produtos químicos daninhos a meio
prazo para a pedra, o que valiou as críticas de vários arqueólogos ocidentais.[34] Nos
anos seguintes, a equipa alemã encarregue das apsarás encontrou
amostras desta deterioração em alguns dos baixo-relevos.[35] Além
disso, recentemente alertou-se sobre a presença de uma bactéria que poderia
estar acelerando a degradação da superfície das pedras, e cuja proliferação
poderia dever-se à ausência de uns minúsculos líquenes eliminados durante as
trabalhos de limpeza e restauração.[36]
Nem as primeiras intervenções francesas no
templo estiveram isentas de críticas: várias das atuações mais antigas, sobre
monumentos cuja integridade estrutural estava ameaçada, foram apressadas e sem
os meios adequados. Como resultado, atualmente há pilares reforçados com abraçadeiras
metálicas oxidadas, emplastes de concreto recheando ou até mesmo rodeando
pilares danificados, ou barras de aço embutidas na pedra;[34] umas
intervenções procedentes da época de Henri Marchal, e geralmente desculpadas
como um "mal menor".[29] Contudo,
uma das intervenções francesas mais criticadas foi a reconstrução de uma antigo artesoado de
madeira empregando concreto em lugar do material original, uma obra realizada
na galeria sul do templo em tempos mais recentes. Aparentemente, o teto de
madeira original desapareceu na década de 1970, utilizado pelas guerrilhas dos khmer vermelho para fazer fogo.[34] Não
foram estes os únicos danos contemporâneos que sofreu o templo: também um
projetil perdido norte-americano destruiu acidentalmente um dos pavilhões.[37] Porém,
os maiores danos procedem da pilhagem e do contrabando de antiguidades que
padeceu o templo nas últimas décadas, especialmente durante a década de 1990.[38] Afortunadamente
a conscientização popular e a crescente vigilância, tanto por parte
governamental como pela UNESCO, parecem estar melhorando ostensivelmente a
situação.[39]
Maquete do tempo central.
Arquitetura
Dum ponto de vista estilístico, o templo é
enquadrado no chamado "estilo angkoriano",[40]que é a etapa artística mais madura
e refinada na evolução da arquitetura khmer, bem como a última de influência
puramente hinduísta.
Os templos khmer não eram concebidos como locais
para a reunião dos fiéis mas para morada dos deuses, pelo qual apenas a elite
religiosa e política do país tinha acesso aos recintos centrais.[17] Angkor
Wat apresenta a particularidade de ser um templo cuja finalidade última era
servir de tumba para o rei. Esta concepção dos templos khmer ocasiona que as
suas zonas mais sagradas careçam de grandes entradas ou espaços cerimoniais, e
que a atenção se foque na percepção exterior do templo. Tanto os terraços
quanto as torres de Angkor Wat foram desenhadas para ser percebidas
harmoniosamente desde o exterior, e as suas alturas e modulação têm em conta os
efeitos da perspectiva. Nos prasat foram empregues estratégias como a de
reduzir paulatinamente a altura dos sucessivos terraços ou o tamanho dos
pormenores na torre à medida que a construção se eleva: isto produz no
observador a sensação de se encontrar perante uma construção mais alta do que é
realmente.[41] Também
a relação entre a distância e altura das torres de Angkor Wat foi calculada
para apresentar uma encenação homogênea desde a entrada do templo, sem que os
elementos mais próximos cheguem a ocultar os mais afastados.[42]
Angkor Wat materializa o esquema
"clássico" do templo-monte khmer da etapa angkoriana, consistente num prasat (templo piramidal) central rodeado de
vários pátios concêntricos de altura descendente e forma quadrangular (pois o
quadrado simbolizava a perfeição),[43]e terminados nas suas esquinas com
novos templos menores. Completam o conjunto duas "bibliotecas"
isentas em simetria com o eixo central, ficando tudo circunvalado por um novo
muro e um lago.[44] Esta
configuração recreia um microcosmos do universo hindu: o seu grande lago
perimetral evoca os oceanos, enquanto os diferentes recintos concêntricos
simbolizam as diferentes alturas doMonte Meru. Os Prasats ou torres piramidais simulam os picos
das montanhas, sendo o prasat central o próprio monte Méru e os outros as
montanhas que o circundam.[45] O
próprio percurso, com as suas sucessivas subidas através de empinadas escadas,
representa a ascensão ao monte.[46]
A construção, de 1500 x 1300 m de lado, ocupa uma
extensão retangular de aproximadamente 200 hectares, incluindo um lago perimetral de 190 m de largura. O complexo
pode ser dividido em duas zonas diferenciadas: o grande recinto exterior
delimitado pelo muro perimetral, e a plataforma central sobre a qual se elevam
o conjunto de três recintos concêntricos, e que constituem o "templo"
em si.
Recinto exterior
planta geral de Angkor
Wat.
O recinto exterior, rodeado pelo lago, tem umas
dimensões de 1025 x 800 m ,
ocupando 82 hectares .[4] O
perímetro do lago, que tem um comprimento total de 5,5 km , está escalonado com
várias fieiras de pedra.[4] Duas
passarelas de 12 m
de largura e enfeitadas com uma balaustrada com
a típica forma de Naga (serpente mítica com aspecto de cobra
e 5 ou 7 cabeças),[47] cruzam
o lago a leste e a oeste, permitindo a entrada e saída do templo.
O recinto é fechado por um muro de laterita de
5 m de altura[6] sobre
o qual se assenta um pórtico de 235
m de comprimento que possui um corredor colunado na sua
parte exterior. No pórtico destacam-se três torres marcando as suas respectivas
entradas: a principal consiste numa gopura ou
pavilhão de entrada, precedida por um pequeno vestíbulo, ladeado por duas
entradas menores, habilitadas aparentemente para permitir o passo dos elefantes
e das carruagens.[4][48]
Quer por ser um templo funerário para o rei,
quer por estar dedicado ao deus Vixnu (associado ao quadrante oeste do
universo),[11] Angkor
Wat, ao contrário do restante de templos, está orientado para oeste.[6] Por
este motivo, a direção das histórias narradas nos relevos do templo devem ser
lidas no senso contrário às agulhas do relógio.[4]
Da entrada oeste até os três recintos
concêntricos do templo central desenvolve-se um caminho elevado de 10 m de largura e 352 m de comprimento,[9] também
ladeado com nagas. Cada 50 m a balaustrada é
interrompida com duas escadas simétricas que permitem descender o metro e meio
que separa o caminho do chão. No amplo terreno deste primeiro recinto ficava o
palácio real e alojava-se a população permanente do templo; porém, devido ao
perecível das estruturas nas quais habitavam, atualmente apenas restam
vestígios, à parte dos dois edifícios de pedra que poderiam cumprir a função de
bibliotecas, situados também simetricamente ao caminho central. Os dois grandes
lagos retangulares de aproximadamente 50 m de largura que aparecem no final deste
percurso central foram construídos em data posterior ao templo original.[49] Atualmente,
o terreno alberga também um pequeno assentamento de monges budistas e outro
pequeno povoado no lado oposto do templo, todos eles de construção mais recente
e sem interesse arquitetônico.
O caminho desemboca num terraço de planta
cruciforme com dois níveis, e esta, pela sua vez, conduz à grande plataforma de
258 x 332 m
sobre a qual se assenta o templo central.
Templo central
Templo central ou Bakan.
O núcleo de Angkor Wat, ou o templo principal, é
denominado Bakan.[4] Este
sofreu uma transformação em finais do século XVI para se acomodar aos
requisitos das estupas budistas.[4] O
templo apoia-se sobre uma grande plataforma, e é dividido em três recintos de
altura crescente, delimitados por corredores colunados e com pavilhões nos extremos:
o terceiro recinto, ou recinto exterior, carece de torres, e os seus relevos
estão dedicados ao rei construtor do templo, Suryavarman II. Os recintos segundo e terceiro
sim possuem torres sobre os seus pavilhões. O recinto segundo carece de
baixo-relevos, enquanto os relevos do primeiro estão dedicados ao deus Vixnu.[9]
Acede-se ao segundo recinto subindo umas empinadas escadas, que segundo a iconografia hindu, simbolizam a ascensão à montanha dos deuses. No segundo recinto, de 115 x100 m , também aparecem duas
novas "bibliotecas" menores. Este segundo recinto ou nível não era
acessível para o povo,[52] pelo
qual a sua arquitetura muda: os muros exteriores são cegos, e a galeria somente
se abre ao interior mediante janelas atravessadas por colunas de complexo
relevo. Dentro do segundo recinto aparece a plataforma do recinto central,
erguida entre 11 e 13
metros segundo as diferentes fontes, e à qual se acede
mediante empinadíssimas escadas com inclinação em torno des 70º,[52] salvo
no lado oeste, seguindo a direção principal, no qual a inclinação é de 50º.[5]
Baixo-relevos exteriores
Embora os recintos sejam concêntricos, não são
totalmente simétricos: entrando por leste existe mais espaço entre o segundo e
terceiro recinto (o mais exterior). Neste lado três entradas foram abertas, em
lugar da única entrada praticada no restante das orientações. Três galerias
comunicam o terceiro recinto com o segundo, continuando cada uma das três
entradas do lado leste. Uma galeria liga perpendicularmente as três galerias
pelo seu ponto meio, criando uma estrutura cruciforme denominada Preah Poan.[4] Entre
as galerias do Preah Poan aparecem quatro fossos, que originariamente estavam
inundados e eram utilizados com fins rituais.[50] Nos
séculos posteriores, esta zona do templo adquiriu especial relevância, ao
servir como local de armazenamento para múltiplas estátuas de buda, recebendo o
nome de "galeria dos mil budas".[50] A
maioria destas estátuas foram saqueadas, ou retiradas por motivos de segurança
no princípio da década de 1970.[51] A
norte e sul do Preah Poan aparecem duas novas "bibliotecas".
Escadas de acesso ao
primeiro recinto.
Acede-se ao segundo recinto subindo umas empinadas escadas, que segundo a iconografia hindu, simbolizam a ascensão à montanha dos deuses. No segundo recinto, de 115 x
O primeiro recinto, acessível somente para o rei
e o sumo sacerdote, é um quadrado de 60 metros de lado que contém, dispostos em quincúncio,
os 5 Prasat ou templos piramidais que representam
os picos do Monte Meru.[53] Os
cinco templetes ficam ligados mediante novos corredores que geram quatro
pátios, similares aos do Preah
Poan. O prasat central é maior que os demais, e na
sua base alberga um amplo nicho de 4,6 m de lado no que se alojava uma estátua de
Vixnu.[54] O
nicho dispunha originariamente de aberturas aos quatro pontos cardeais, porém,
após a reconversão ao culto budista, foi transladada a estátua e cegadas as
portas para esculpir nelas imagens de Buda.
Em 1908 foi aberta uma das quatro entradas do prasat central, e em 1934 descobrido um fojo
de 25 m
de profundidade, sob o lugar no que devia descansar a estátua de Vixnu. O fojo
guardava unicamente duas folhas de ouro e quatro menores com duas safiras
brancas,[53] pelo
qual se acredita que o tesouro foi saqueado antes.[55]
Decoração
Apsarás esculpidas numa das bibliotecas.
A maior parte das paredes do templo estão
decoradas com frisos em baixo-relevo de
grande tamanho e bom feitio.
Os baixo-relevos do recinto exterior, que
enfeitam o corredor colunado perimetral (ou talvez para cujo visionado foi
habilitado o corredor perimetral), possuem dois metros de altura, e ocupam uma
extensão total de mais de 1
000 m² .[4][56] A
parte nordeste do recinto exterior ficou sem esculpir à morte de Suryavarman II, sendo finalizada no século XVI
com baixo-relevos de inferior qualidade artística.[4] Com
a exceção do muro sul, dedicado ao rei, os relevos narram histórias dos livros épicos hindus Ramayana e Mahabharata, e pelo menos desde o século XVI
estiveram policromados, e até mesmo puderam receber
algum tipo de verniz protetor.[57] Atualmente
somente se apreciam restos parciais de cor em zonas pontuais: foram
identificadas três cores: vermelho, preto e dourado.[58]
Entre os motivos esculpidos destaca-se a
abundância de figuras femininas: algumas fontes falam de devatas, ou deusas femininas
hindues, cerca de 1500 em todo o templo,[49] e
outras de apsarás ou dançarinas celestiais, cerca de 2 000.[59]
Praticamente toda a superfície do templo está
ornamentada: nas zonas onde não aparecem baixo-relevos, há formas e adornos
arquitetônicos e geométricos de grande complexidade; é comum observar como nos
telhados das galerias, a pedra foi esculpida imitando as telhas cerâmicas,[60] bem
como as portas e janelas de pedra imitavam as formas geradas pelos seus
equivalentes em madeira. No repertório formal do templo aparecem também motivos
florais, limitados a decorar esquinas.[61]
Baixo-relevos exteriores
Galeria de um dos frisos
exteriores.
Ravana lutando
na batalha de Lanka.
Os baixo-relevos do recinto exterior dividem-se
em oito enormes cenas principais (duas cenas por muro) e várias cenas menores,
situadas nos pavilhões dos cantos. Desde a entrada principal e em sentido
anti-horário, as cenas principais denominam-se:[62]
§
Batalha de Kurukshetra.
Este friso de 49 m descreve uma passagem do
livro Mahabharata na
que se narra a terrível batalha final de Kurukshetra entre os clãs rivais Pandavas e Kauravas.
O exército Kaurava avança pela esquerda e o Pandava pela direita, e, à medida
que se encontram no centro, empeza-se a desenvolver a batalha.
§
Procissão histórica.
Friso de 94 m que amostra um desfile do
rei construtor do templo, Suryavarman II, com as suas tropas. Acredita-se que
este relevo foi esculpido pouco depois da sua morte.[4]
§
Céus e infernos.
Nos seus 64 m , amostra a cena do juízo
de Yama,
o deus da morte hindu, separando os merecedores do céu ou do inferno, bem como
cenas dos 37 céus e os 32 infernos da religião hindu.[4]
§ Batido do oceano de
leite.
Um friso de 49 m que encena o exótico
passagem do Batido
do oceano de leite; uma cena do Bhagavata-Purana na que os deuses e os asuras se unem para bater o mítico
"oceano de leite" (kshirodadhi), utilizando para isso uma
montanha e a Vasuki, a rainha
das nagas, como corda para
a face girar. O relevo amostra como uma vez que, após bater o oceano durante
milhares de anos, aparece uma taça cheia de amrita ou néctar da imortalidade, os deuses e os asuras começam a
pelejar por ela.
Amostra Vixnu lutando contra um exército
de asuras. É um relevo mais tardio e de inferior qualidade artística.
§ Vitória de Krishna sobre
o asura Bana.
Cena de 66 m , bem como de inferior
qualidade, que amostra a batalha de Krishna e um asura de mil braços chamado Bana, ao que Krishna corta
todos menos dois.
§
Batalha de devas e asuras.
Friso de 94 metros no que figuram
quase todos os deuses do panteão hindu
lutando contra um exército de asuras numa batalha por determinar.
§ Batalha de Lanka.
Amostra o clímax do livro Ramayana, no que o deus Rama (encarnação
de Vixnu), ajudado por um exército de monos, derrota o demônio Ravana e
resgata a sua esposa Sita.
Construção
Lavradura em pedra no templo de Phimeanakas.
Embora o muro exterior fosse construído com laterita,[11] e algumas fontes falam também de usos esporádicos de limonita,[61] o templo está edificado quase na íntegra em pedra arenito. Os blocos, que chegavam a pesar 4 toneladas,[63] eram transportados, por canais, de uma canteira situada a 40 km a nordeste do templo. Acredita-se que a pedra utilizada (5 milhões de toneladas) é equivalente à empregada para a construção da pirâmide de Quéfren, em Giza, o qual teve de requirir de milhares de trabalhadores. Um engenheiro contemporâneo estimou que a construção de Angkor Wat atualmente requiriria 300 anos,[64] enquanto o templo real foi construído em menos de 40.
As peças de arenito eram cuidadosamente lavradas para encaixar perfeitamente, pois na maior parte da construção não se empregou nenhum tipo de argamassa,[6] utilizando ocasionalmente até mesmo sistemas de encaixe do tipo caixa e espiga. Nos pontos nos quais se usaram de pastas de união puderam ter-se empregado resinas.[17]
A laterita foi empregue nos alicerces, plataformas e nos muros exteriores de cerramento. Estas pedras eram cortadas em tamanhos que oscilavam entre 30x40x60 cm e 40x50x80 cm, se bem que se encontraram peças de até 2 m de comprimento.[63] Sendo o acabamento da laterita excessivamente tosco, os vãos praticados em muros deste material eram terminados com arenito. Muitos arqueólogos estão convencidos de que os paramentos de laterita, que estão atualmente ao descoberto, deveram estar guarnecidos com estuque, e provavelmente também pintados.[65]
Também foi documentado o emprego da madeira em alguns tetos do templo, bem como das telhas cerâmicas e do chumbo.[65]
Geralmente, os baixo-relevos que decoram as paredes do templo não se acrescentaram com posterioridade, mas foram esculpidos diretamente sobre a rocha do templo, como testemunha o templo inacabado de Ta Keo, onde se aprecia a volumetria já terminada das torres, embora nunca chegassem a ser esculpidas.
Coberta em falsa abóbada na zona de Angkor.
A morfologia dos templos khmer está indubitavelmente condicionada pelo seu desconhecimento da técnica do arco. Como consequência desta desvantagem, os khmer não puderam construir espaços interiores amplos, e a sua arquitetura é composta de espaços exteriores e galerias. Tanto as abóbadas quanto as cúpulas, com a forma de flor de loto, foram construídas mediante o sistema de falsa abóbada, aproximando ligeira e escalonadamente as sucessivas fiadas dos muros, até conseguir um falso arco, mas com aduelas horizontais. As galerias mais estreitas, devido ao seu reduzido tamanho, não precisavam de contrafortes. Devido também à sua pequena dimensão, nestes corredores era comum esculpir as pedras com forma curva para conseguir o efeito de abóbada. Não ocorria assim nas galerias maiores, que deixavam as peças com forma prismática. Estas galerias de maior dimensão evitavam o emprego de contrafortes dispondo corredores paralelos mais baixos, com uma média abóbada que conseguia um efeito similar aos sistemas de arcobotantes e contrafortes das igrejas pétreas ocidentais. No caso das cúpulas, muito verticais, é o próprio peso das mesmas o que consegue evitar o emprego de contrafortes, ao verticalizar a soma de tensões diretamente para o chão.
Segundo modernas pesquisas, o grande lago perimetral cumpria também uma função estrutural: o clima monçônico da zona, com uma marcada época de chuvas e uma época seca, gerava grandes movimentos no solo, que à medida que avançava a estação seca ia contraindo-se pela perda da água. Estes movimentos anuais terminavam por arruinar os alicerces dos templos, provocando afundamentos e colapsos nas estruturas. A presença de um grande lago, que nunca seca na estação seca, permite que o solo do templo permaneça estável todo o ano, evitando assim os problemas com a cimentação.[10]
Turismo
Vista do templo central desde o interior do recinto exterior.
Após a relativa normalização da situação política no Camboja, Angkor e o seu templo principal, Angkor Wat, tornaram-se num importante destino turístico: o complexo recebeu 561 000 turistas em 2004, 677 000 em 2005, e cerca de um milhão em 2008.[1] Para evitar o desgaste produzido pela massiva afluência de turistas, bem como com objeto de previr o vandalismo, estão começando a proteger e adaptar algumas zonas do templo particularmente delicadas. Contudo, poucos monumentos atualmente podem ser observados tão livremente como os de Angkor. Entre as iniciativas que permitam diminuir a pressão de visitantes no templo se estão avaliando opções como estabelecer diferentes percursos alternativos, ou iluminar o templo com luz artificial para poder prolongar o horário de visita depois do pôr-do-sol.[66]
Embora 28% da renda por turismo reverta em trabalhos de conservação e restauração, ainda a maior parte dos trabalhos de manutenção são financiados com fundos estrangeiros.[67]
O templo de Angkor Wat também serviu de palco para vários filmes, como Lara Croft: Tomb Raider (2001), ou a francesa Dois irmãos(2004).
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